Apesar da reação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, contra a criação de tribunais regionais federais em Minas, Paraná, Bahia e Amazonas, magistrados mineiros e entidades nacionais representativas de classe mantêm a mobilização pela promulgação da Proposta de Emenda Constitucional 554. Na avaliação deles, a PEC, de autoria do então senador mineiro Arlindo Porto em 2002, é resultado de 11 anos de debates intensos, e a criação dos tribunais que ela estabelece vai desafogar a Justiça Federal em 13 estados, inclusive Minas, além do Distrito Federal, que hoje são atendidos pelo TRF da Primeira Região, sediado em Brasília.
Depois de dar declarações públicas contrárias à iniciativa, Joaquim Barbosa encaminhou ofícios ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e ao presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), criticando o aumento do número de TRFs. Sob pressão, o presidente do Congresso suspendeu, por ora, a promulgação da emenda, sob o argumento de que técnicos avaliam supostos “erros materiais” no texto. Presidentes dos cinco tribunais regionais federais, instalados em reunião com Joaquim Barbosa, tentam barrar a instalação dos tribunais. Em encontro, ocorrido na terça passada, na sede do STF, foi estabelecida a formação de uma comissão para a formulação e apresentação de soluções que tentem minimizar o congestionamento da segunda instância do Tribunal Regional Federal
“De toda essa polêmica, uma coisa está clara: a segunda instância da Justiça Federal precisa ser aumentada”, afirma o juiz federal Ivanir César Ireno Júnior, vice-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Ivanir protagonizou um debate com Joaquim Barbosa ao discordar dos termos empregados pelo ministro para se referir à aprovação da PEC 554. O ministro considerou que os juízes agiram de forma “sorrateira” e na “surdina” para apoiá-la no Congresso. “Sorrateira, não, ministro. Sorrateira, não. (De forma) Democrática e transparente", rebateu Ivanir na ocasião.
Evitando repercutir o episódio, Ivanir justifica, em números, a necessidade da criação dos novos tribunais federais, principalmente o de Minas Gerais, estado que hoje responde por mais da metade das demandas julgadas no TRF da Primeira Região. “Temos 24 tribunais regionais do Trabalho, 27 tribunais estaduais e só cinco tribunais federais. Entre os cinco federais, todos agregam dois ou três estados. Mas o nosso atende 14 (incluindo o DF), quase 80% do território brasileiro”, afirma Ivanir. O mais grave, contudo, é o fato, segundo o magistrado, de que enquanto na Justiça do Trabalho e na Justiça estadual há em média cinco juízes por desembargador, na Justiça Federal há em média 14,5 juízes para cada um dos desembargadores.
“A carga de trabalho individual por desembargadores na Justiça estadual e do Trabalho é de 2.200 processos por ano. Na Justiça Federal é de 13 mil”, aponta. Considerando o conceito do “congestionamento” – o critério para dizer o número de processos que entram no ano e o número de processos não julgados – Ivanir mostra que a segunda instância da Justiça Federal é a mais congestionada. “Na Justiça do Trabalho é de 24%, na Justiça estadual é de 49% e a taxa de congestionamento da Justiça Federal é de 66%”, diz ele.
Direitos Em consequência da alta taxa de congestionamento na Justiça Federal, um processo tramita em média por 10 anos. E as soluções paliativas do tipo passar a competência dos processos previdenciários para as turmas recursais – segunda instância do juizado especial, que julga causas de até 60 salários minimos – não resolvem o problema. “Só os cidadãos com causas até esse montante terão direito à celeridade? E os demais? É absurdo o volume de distribuição por desembargador na Justiça Federal. É um volume muito maior do que eles dão conta”, avalia André Prado de Vasconcelos, vice-presidente da Associação dos Juízes Federais da Primeira Região (Ajufer).
Prado contesta os números informados por Joaquim Barbosa, segundo os quais os quatro tribunais custariam R$ 8 bilhões ao país. “O custo total da Justiça Federal, de primeiro e segundo grau, é de R$ 7 bilhões. Esse número de R$ 8 bilhões para criar novos tribunais não reflete a realidade”, considera Prado. “O custo dos cinco tribunais federais já existentes é de R$ 1,7 bilhão. Mas os tribunais que virão, até por serem de áreas territoriais menores, terão custo menor”, acrescenta, lembrando que parte do orçamento destinado hoje à Primeira Região será desmembrada para atender os novos tribunais. “Mais celeridade é o que se pretende e um direito do cidadão que busca a justiça”, afirma André Prado.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) também contesta as declarações de Joaquim Barbosa, de que caberia ao Conselho Nacional de Justiça decidir sobre a criação dos tribunais. “Essa afirmação é infeliz. É uma proposta de emenda constitucional, portanto, privativa do parlamento. E não foi sorrateira, pois o país sabia da necessidade dos novos tribunais e foi um senador mineiro, Arlindo Porto, quem se preocupou com a agilidade e o acesso do cidadão à Justiça Federal”, sustentou o desembargador Nelson Missias, secretário-geral da Associação dos Magistrados do Brasil.