O Estado de Minas narra, desde sexta-feira, os segredos contidos no famoso relatório produzido pelo procurador Jader de Figueiredo a mando do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, entre novembro de 1967 e março de 1968. Tido como desaparecido em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado no ano passado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Nas mais de 7 mil páginas de investigação sobre atrocidades cometidas por fazendeiros e agentes do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), constam depoimentos, fotos e registros da expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros pelo interior do país.
Ação de Estado
Para o deputado Domingos Dutra (PT-MA), ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e defensor de grupos indígenas, a descoberta do Relatório Figueiredo será fundamental para que venham à tona novos detalhes sobre atuações de órgãos do estado e grupos privados contra populações indígenas. “No Brasil, sempre existiu uma ação de Estado, nos três poderes, para manter a dizimação da cultura indígena. Tivemos no ano passado um decreto da presidente Dilma Rousseff autorizando intervenções das Forças Armadas em território indígena. Também são recorrentes decisões absurdas do Poder Judiciário determinando reintegração de posse para fazendeiros, e no Congresso, são poucas as medidas a favor dos índios”, afirma o petista.
O parlamentar, que desconhecia o documento até a publicação da reportagem, prepara um requerimento para ter acesso ao material e para que a Comissão da Verdade dê prioridade às investigações sobre as atrocidades trazidas no relatório. A coordenadora do núcleo de luta pela terra da comissão, Maria Rita Kehl, disse ao Estado de Minas que a prioridade é investigar casos exemplares. “É um horror o que vimos nesse relatório”, ressalta Dutra. Segundo o parlamentar, a disputa mais urgente que está sendo travada na Câmara diz respeito à demarcação de territórios, principalmente na fronteira agrícola, na região Centro-Oeste do país. “Vamos lutar para que propostas que reduzem o direito dos índios, como por exemplo a PEC215 (que trata da demarcação), não sejam aprovadas, mas será preciso o apoio das lideranças partidárias’, diz.
Leia Mais
Endurecimento do regime militar pôs fim às investigações das denúncias de genocídio de índiosÍndios foram roubados por agentes do governo depois de massacre Atrocidades contra índios ficam sem punição no BrasilDocumento que registra extermínio de índios é resgatado após décadas desaparecidoComissão do Senado aciona ministério da Justiça em favor dos índiosSenado investiga genocídio indígenaComissão do Senado analisa relatório que denuncia violência contra índiosApós série de protestos, Dilma Rousseff ordena intervenção na FunaiGleise Hoffmann fala na Câmara sobre demarcação de terras indígenasFunai retira invasores de terras indígenasSenador exige investigação sobre Relatório FigueiredoSub-representados O ex-ministro dos Direitos Humanos, deputado Nilmário Miranda (PT), se disse impressionado pelos relatos trazidos no Relatório Figueiredo. O parlamentar alerta para uma pressão existente para o retrocesso na causa indígena, principalmente no entorno de cidades onde a terra estaria hipervalorizada. Segundo ele, desde a Constituição de 1988, foram incluído vários direitos indígenas na legislação, mas sem que fossem capazes de impedir a tendência de imposição da cultura dominante. “São cerca de 40 mil indígenas acampados, esperando soluções da Justiça para saber se têm ou não direitos a terra. Nesses lugares, muitas assembleias estaduais concederam títulos de propriedade sobre terras da União, sem ter direito de fazê-lo. Criou-se então um problema complexo, já que envolve também milhares de pequenos agricultores que dependem de suas produções para sobreviver”, explica Nilmário.
A pouca, ou “praticamente inexistente”, representatividade dos grupos indígenas no Parlamento, no entanto, é apontada como fator que dificulta a derrubada de projetos contrários aos interesses dos povos nativos. Ele sustenta que os desejos de grandes empresários e produtores rurais encontram um apoio muito forte no Congresso, o que gera conflito direto com a causa indígena. “Temos no Brasil mais de um milhão de índios. São centenas de povos sem representação nenhuma. Então, a disputa é duríssima, já que os defensores da ideia do produtivismo sem limites têm uma força maior e não existe o respeito ao direito à terra e à cultura”, analisou Nilmário.