Brasília – Quatro meses após a conclusão do julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou nessa segunda-feira o acórdão do processo. A aguardada divulgação dos votos dos ministros da Corte manteve a série de polêmicas que envolveu o caso: alguns magistrados suprimiram trechos dos debates travados em plenário durante o julgamento, o que gerou críticas de réus e até de magistrados do próprio STF. O ministro Luiz Fux retirou do acórdão todos os 520 comentários e colocações feitos ao longo dos quase cinco meses do processo. Com isso, o acórdão traz trechos sem sentido, em que ministros respondem questionamentos feitos por Fux, por exemplo, sem que a fala dele com a pergunta apareça no documento. O ministro Celso de Mello excluiu boa parte de suas participações em debates. Advogados de condenados reclamam da supressão e garantem que vão recorrer contra o cancelamento de trechos dos votos de ministros.
O acórdão do mensalão, que tem 8.405 páginas, foi divulgado pelo Supremo na manhã dessa segunda-feira. O relator do processo, presidente Joaquim Barbosa, e o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, mantiveram a íntegra de suas polêmicas e acaloradas discussões no plenário. Os constantes bate-bocas entre esses ministros foram transcritos e incluídos no acórdão.
O ministro Gilmar Mendes disse que o cancelamento de trechos do debate “é normal” e que isso ocorre quando uma frase fica fora de contexto. Ele cancelou apenas três participações feitas ao longo do julgamento. Questionado se os trechos suprimidos por outros ministros acarretam prejuízo para o acórdão, Gilmar disse que não há problema, pois, na sua avaliação, o mais importante é o conteúdo do voto.
De acordo o gabinete do ministro Celso de Mello, o cancelamento de trechos do debate não altera o conteúdo do que foi decidido em plenário nem o resultado do julgamento. O gabinete acrescenta que os ministros – quando não relator ou revisor – têm a faculdade de cancelar seus votos, quando não são os primeiros a divergir da tese apresentada. Informa ainda que o prazo concedido para a entrega dos votos é destinado exatamente à revisão.
Em nota, o ministro Luiz Fux explicou que os cortes tiveram como motivação reduzir o número de páginas do acórdão. “O cancelamento das notas taquigráficas se deve à juntada de votos escritos. Desse modo, a repetição geraria indesejado aumento do número de páginas do acórdão, que, como sabido, alcançou a marca de mais de 8 mil laudas. O que foi proferido pelo ministro na sessão consistiu, basicamente, em um resumo dos votos escritos.”
omissão
Na tarde dessa segunda-feira, os advogados dos réus já se debruçavam sobre o documento. Alguns esperavam a publicação do acórdão para definir a estratégia para rebater o resultado e outros apenas pretendiam reforçar apontamentos já feitos. “Eu transcrevi as sessões transmitidas pela tevê e comecei a redigir o embargo sobre os pontos relevantes de omissões que identifiquei, agora falta checar os possíveis pontos de contradição”, comentou Marcelo Leal, advogado do ex-deputado Pedro Corrêa.
Um item que chamou a atenção da maioria dos defensores foi a ausência de frases ditas por alguns ministros em plenário. “O fato de o ministro Fux ter tirado do acórdão o que disse me parece ser uma omissão e nós podemos pedir que ele declare o que foi retirado. Isso pode vir a ser considerado contraditório”, adiantou Luiz Fernando Pacheco, advogado do deputado José Genoino (PT-SP). “Se esses cancelamentos sugerirem alguma supressão de pontos relevantes, pode-se ensejar em embargo de declaração por omissão”, concorda Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que defende Roberto Jefferson. O prazo para a apresentação de recursos vai de hoje até 2 de maio. (Colaborou Edson Luiz)
Mancha na história
O escândalo do mensalão foi classificado no voto do ministro Luiz Fux como o evento que “maculou a história recente do Brasil”. Embora tenha suprimido do acórdão todas as suas participações nos debates, o magistrado juntou ao documento a íntegra de seu voto, que não havia sido lida no julgamento. Em um dos trechos, Fux se refere ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu – que recentemente o acusou de ter prometido absolvê-lo – como o comandante de uma quadrilha que tinha um “projeto de poder de longo prazo de ilicitude amazônica”. Já o presidente do STF e relator do caso, Joaquim Barbosa, descreve José Dirceu como a pessoa que estava à frente da “organização” e do “controle” das atividades criminosas.