Jornal Estado de Minas

Redução de prerrogativas do STF gera crise entre Legislativo e Judiciário

Em um dia marcado por declarações fortes de parlamentares e ministros do STF, presidente da Câmara suspende tramitação da PEC que dá ao Congresso o poder de barrar decisões da Corte

Juliana Braga, Leandro Kleber, Diego Abreu e Adriana Caitano
Brasília – A crise institucional iniciada pela aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2001, que dá ao Legislativo a palavra final sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) atingiu o ápice nessa quinta-feira e, após declarações fortes de integrantes dos Três Poderes, levou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a suspender a tramitação do projeto. Ontem, após reunião, Henrique Alves e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), elevaram o tom e admitiram haver uma crise entre o Legislativo e o Judiciário. Eles chamaram de “invasão” do STF no Congresso a decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender a tramitação do projeto que dificulta a criação de partidos. Alves e Calheiros entraram com um agravo regimental no Supremo contra a liminar do ministro.


Com a reação imediata e negativa de ministros do Supremo, de partidos de oposição e do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em relação à aprovação da PEC 33 na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Henrique Alves anunciou que, “enquanto não tiver uma definição muito clara” sobre o assunto, está suspensa a criação da comissão especial que iria analisar a proposta. O ministro Gilmar Mendes chegou a dizer que se a medida for aprovada pelo Legislativo será melhor “fechar” a Suprema Corte. “A PEC é inconstitucional do começo ao fim, de Deus ao último constituinte que assinou a Constituição. Eles rasgaram a Constituição. Se um dia essa emenda vier a ser aprovada, é melhor que se feche o Supremo Tribunal Federal”, recriminou.

Em Nova York, pouco antes de embarcar para o Brasil, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que uma eventual aprovação da PEC fragilizaria a democracia. “Tem quase 80 anos a tradição já consolidada de se permitir que o Supremo Tribunal Federal declare a inviabilidade jurídica de uma lei votada pelo Congresso por violação de uma cláusula constitucional. Por que alterar isso agora, em pleno século 21? Essa medida, se aprovada, fragilizará a democracia”, criticou.

Apesar da suspensão da tramitação, tanto Henrique quanto Renan mantiveram a tensão e subiram o tom do discurso. “A separação entre os poderes não pode se resumir a uma mera questão emocional”, respondeu, referindo-se à possível retaliação da decisão de Gilmar Mendes. Os dois passaram o dia ontem reunidos com outros parlamentares, traçando qual seria o contra-ataque do Congresso ao que consideraram uma “invasão” do STF.

Mandado de segurança

O PSDB e o MD (fusão do PPS com o PMN) protocolaram ontem mandados de segurança para que o Supremo impeça a tramitação da PEC 33. O autor da proposta, deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), disse que não esperava tamanha repercussão com a aprovação do texto porque a proposta está disponível há dois anos, desde que foi protocolada na Casa. Ao negar que haja uma estratégia de retaliação ao STF após o julgamento do mensalão, o parlamentar argumenta que há exatamente um ano uma PEC semelhante foi aprovada no mesmo colegiado, também sob a relatoria do tucano deputado tucano João Campos (GO). “Como pode ser uma retaliação a algo que ainda nem tinha acontecido (julgamento do mensalão)”, questionou. Ele classificou as críticas como “desonestidade intelectual”.

Fonteles criticou ainda a decisão de Henrique Alves de não instalar a comissão especial na Câmara para analisar a proposta. “Ele não tem esse poder. Só tem a obrigação de criar a comissão especial e não pode fazer um ato contra a CCJ, que já deliberou”, ressaltou. Em nota, o presidente da CCJ, deputado Décio Lima (PT-SC), afirmou que a polêmica em torno da aprovação da PEC 33 “não passa de tempestade em um copo d’agua”. Segundo ele, o debate entre os poderes é normal e nenhum assunto é proibido. O ministro do STF Dias Toffoli também tentou amenizar o debate acalorado. “O ruim seria se o Congresso e o Judiciário não estivessem atuando. Por isso, não há crise. O que há são os Poderes funcionando. E que bom que estejam funcionando. Isso é melhor para a democracia”, avaliou.

O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), também a aprovação da PEC 33. “Eu lamento até dizer isso, mas acho que houve uma demasia. A palavra última há de ser sempre a do Poder Judiciário, especialmente em matéria de constitucionalidade e vinculação de uma determinada decisão para os tribunais inferiores”, disse.

Mensaleiros

A participação de deputados condenados no julgamento do mensalão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara – José Genoino (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP) – também é motivo de crítica. O ministro do Supremo Marco Aurélio Mello observou que nenhum integrante da CCJ questionou o teor da PEC 33. “E é sintomático que na comissão tenhamos dois réus da Ação Penal 470 (mensalão)”, disse. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, alertou que os dois parlamentares petistas não deveriam sequer estar na Câmara.