Depois de mais de três anos se arrastando na Câmara dos Deputados, o projeto que prevê punições para empresas que praticarem atos contra a administração pública pode sair do papel nas próximas semanas. Aprovada na comissão especial na quarta-feira, a Lei Anticorrupção, de autoria do Poder Executivo, determina a responsabilização administrativa e judicial de empresas – e não só de seus representantes – flagradas em atividades ilícitas. O texto propõe o ressarcimento aos cofres públicos do montante desviado e impede que a empresa participe de novas licitações até que seja cumprida a sanção aplicada pela Justiça.
Para o relator do texto na Câmara, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), a aprovação das novas regras vai ter impacto não só com o ressarcimento de verbas ao poder público, mas também para mudar a cultura de muitas empresas no país, que, segundo ele, hoje se preocupam pouco com fraudes que venham a surgir em contratos com órgãos públicos. “O projeto pune empresas em todos os níveis, seja internacional, nacional, estadual ou até municipal. Com 5,5 mil municípios no país, a abrangência da lei será muito grande e vai exigir que as empresas passem a treinar melhor seus funcionários, para que erros administrativos não criem prejuízos ao erário e consequentes punições”, avalia Zarattini.
A proposta sofreu forte oposição de empresários e de parlamentares na própria comissão, mas, segundo o relator, o acordo feito na comissão deverá ser sustentado no Congresso para que não aconteçam adiamentos na tramitação do projeto. “A fiscalização existe e temos também uma legislação para punir funcionários públicos envolvidos em esquemas de corrupção. Mas não existem punições para empresas. Na hora de reaver o que foi desviado a dificuldade é grande”, afirma. Se não houver recurso para votação em plenário, a proposta segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) apenas para ser aprovada a redação final, e seguirá para o Senado.
Segundo a subprocuradora Denise Vinci Túlio, coordenadora da Câmara de Patrimônio Público e Social do Ministério Público Federal (MPF), as mudanças propostas vão permitir que órgãos de controle consigam reverter rombos deixados por crimes de corrupção. “A cobrança de quantias altas de pessoas físicas é bastante difícil, já que os indivíduos conseguem muitas vezes dividir seu patrimônio e o processo se torna mais complexo. Ao cobrar de empresas, a recomposição de erário será facilitada”, explica Denise.
Pressão
Nos últimos anos, o governo brasileiro vem sendo pressionado internacionalmente para aprovar um projeto que puna empresas que se envolvem em esquemas ilícitos. Signatário da Convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contra a corrupção transnacional, o Brasil se comprometeu ainda em 2000 a criar mecanismos mais rígidos para controlar problemas envolvendo desvios de recursos cometidos por empresas, mas até agora não houve mudanças significativas na legislação. Ainda sem atender às exigências que a organização faz para seus 34 membros – a maioria países da Europa e América do Norte –, com a aprovação da Lei Anticorrupção, o Brasil dará um passo importante para aderir ao grupo.
O que diz a lei
Como é hoje:
A Lei das Licitações (8.666/93) estabelece regras gerais para licitações e contratos com a administração pública. A empresa que não cumpre o contrato pode ser punida com advertências, multas com valor previsto no edital da licitação e proibição de participar de novas licitações por até dois anos.
Mudanças propostas:
As punições passam a atingir o patrimônio das empresas envolvidas em atos ilícitos que causam prejuízos aos cofres públicos. A multa será no valor de até 20% do faturamento bruto do ano anterior. Quando não for possível determinar o faturamento, o juiz deverá definir um valor entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões. A empresa fica proibida de receber recursos de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público pelo período de um a cinco anos. É proibida também de participar de novas licitações durante o cumprimento da sanção. Além da dissolução compulsória da pessoa jurídica.