Jornal Estado de Minas

À imagem e semelhança do pastor

Feliciano inclui projetos contra direitos gays na pauta da comissão

Adriana Caitano
Erika Kokay vai pedir retirada da Comissão de Direitos Humanos dos projetos sobre questões homoafetivas - Foto: Bruno Peres/CB/D.A Press - 7/3/13
Brasília – Já se passaram quase dois meses desde que Marco Feliciano (PSC-SP) foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, sob acusação de ser homofóbico e racista. Nesse período, diante dos protestos, o deputado e pastor evangélico evitou colocar propostas polêmicas na pauta do colegiado, marcando apenas audiências públicas sobre temas indígenas e votações de requerimentos sem grande impacto. Agora que as manifestações minguaram, Feliciano agiu: na noite dessa terça-feira, véspera do feriado, ele incluiu na pauta da próxima reunião da CDHM, na quarta-feira da semana que vem, três dos projetos mais controversos que tramitam na comissão, composta majoritariamente por seus aliados. Uma das propostas permite que psicólogos tentem curar homossexuais. Outra penaliza a discriminação contra heterossexuais. A terceira, que torna crime a homofobia, tentará ser derrubada pelos integrantes do colegiado.

O primeiro projeto suspende a validade de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) de 1999, que impede que psicólogos tratem homossexuais no intuito de curá-los de uma possível “desordem psíquica”. O texto controverso, de autoria do presidente da bancada evangélica, deputado João Campos (PSDB-GO), tramita desde 2011 na Casa. Chegou a passar pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), mas, antes de ter o parecer aprovado, foi para a CDHM, a pedido de parlamentares contrários. Com a nova composição do colegiado, porém, a matéria caiu nas mãos do pastor Anderson Ferreira (PR-PE), que emitiu parecer favorável, na semana passada.

Apesar de negar que a atração por pessoa do mesmo sexo seja doença, Ferreira argumenta que psicólogos evangélicos estão sendo perseguidos por tratarem pacientes que não se sentem bem com essa condição. “O próprio homossexual vive num conflito por não aceitar sua formação genética, e precisa de tratamento para esse desvio de comportamento”, defende. “Na resolução, o conselho cerceia a independência dos profissionais, castra o direito de um grupo.” A proposta foi tema de uma das audiências públicas mais turbulentas na Câmara recentemente, em novembro de 2012, quando o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, acusou o CFP de “ativismo gay”, e assegurou que existem ex-homossexuais. Bolsonaro foi criticado por ativistas, que associaram esse tipo de terapia ao regime nazista.

A conselheira do CFP Cynthia Ciarallo lembra que, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças mentais. “O psicólogo não pode tratar uma pessoa com um viés heteronormativo, estabelecendo que ser homossexual é um desvio sem haver qualquer respaldo científico e técnico para isso”, comenta. “Se essas pessoas sofrem, é porque há padrões culturais estabelecidos na sociedade que as fazem crer que estão fora de contexto”, acrescenta.

Heterossexuais

Entre os outros projetos pautados por Feliciano, estão o que penaliza a discriminação contra heterossexuais, de autoria do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), e o que torna crime inafiançável discriminar alguém pela raça, cor, religião, origem nacional ou étnica, idade ou orientação sexual. O relatório dos dois temas é da deputada Erika Kokay (PT-DF). No primeiro caso, o parecer foi pela rejeição da proposta; no segundo, pela aprovação, apesar de haver votos em separado de parlamentares que querem retirar a orientação sexual da lista de punições. Como Erika saiu oficialmente da CDHM, na reunião de quarta-feira, Feliciano indicará, com respaldo regimental, outros relatores, que devem mudar o entendimento da petista. Há ainda a possibilidade de os votos em separado contra o relatório da deputada serem aprovados.

Erika Kokay promete pedir formalmente à Presidência da Câmara que retire da comissão todos os projetos que tratem de questões homoafetivas, sob o argumento de que o atual colegiado “não tem isenção para tratar do tema”. Ela e outros seis integrantes da comissão deixaram a CDHM em protesto à permanência de Feliciano no comando. Com essa debandada, porém, restaram apenas os aliados do pastor, a maioria evangélica. “Saímos por não reconhecer ali um espaço de debate livre e ficar legitimaria os feitos homofóbicos do grupo”, justifica Erika, que critica a pauta divulgada pelo pastor. “Ele não fez isso no começo porque havia uma instabilidade. Mas agora a máscara começa a cair para mostrar-lhe a verdadeira face homofóbica.”