A polêmica em torno da votação da Medida Provisória (MP) 595/12 acendeu a luz amarela no Palácio do Planalto. O texto, que trata da regulamentação dos portos e causou um racha na base aliada na Câmara, vence na quinta-feira caso não passe no Congresso Nacional. E foi motivo de debate acirrado entre deputados aliados anteontem, graças a uma emenda apresentada pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), duramente criticada pelo líder do PR, Anthony Garotinho (RJ). A discussão fez com que o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), suspendesse a sessão e, rapidamente, marcasse a apreciação da matéria para a segunda-feira.
Durante jantar para selar o apoio do PMDB gaúcho a sua reeleição, a presidente Dilma Rousseff pediu empenho do partido para garantir o quórum na votação da MP dos Portos. “O presidente (da Câmara) Henrique (Eduardo Alves) marcou uma sessão para segunda-feira à noite e precisamos da presença dos parlamentares. Se não for possível, que eles estejam no Congresso na terça-feira de manhã parta votar a MP”, pediu a presidente, segundo relato dos presentes.
O governo espera, com a aprovação da proposta, modernizar e ampliar a capacidade dos portos, um dos principais gargalos de infraestrutura do país. A matéria cria regras para as futuras concessões, arrendamentos e autorizações para exploração das instalações portuárias. A avaliação é de que o Planalto gostou da suspensão da votação da matéria, apesar de deixar curto o prazo para a apreciação – se o Senado alterar o texto que passar na Câmara, a proposta volta aos deputados. Isso porque integrantes do PT e do governo, autor da MP, discordam das modificações propostas ao texto na modificação apresentada por Cunha. “Nem governo nem a bancada do partido aceitam a emenda aglutinadora, porque desconfigura a MP”, afirmou o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE).
Embate
A emenda reúne modificações propostas de partidos como o PMDB, o PSB, o PDT e o DEM com o objetivo principal de impor licitação e prazos para as autorizações de exploração de terminais privados. Mesmo diante do embate entre os parlamentares da base, o presidente da Câmara acredita que há clima para a votação na segunda-feira. “Esta Casa tem o dever de votar essa matéria. O mérito, o aperfeiçoamento, as correções, as posições individuais, isso é questão de cada partido assumir a sua responsabilidade. A minha responsabilidade é convocar o plenário. Passado aquele tumulto, foi reestabelecida a calma e a serenidade. A Câmara volta aos seus deveres”, afirmou.
Depois da insinuação de Garotinho de que lobistas do setor portuário atuaram para modificar a MP, alguns deputados do PR se mostraram insatisfeitos com a postura do colega e articularam um movimento para tirá-lo do cargo de líder da sigla. Uma lista pedindo a destituição do correligionário tinha as assinaturas, até o início da noite de ontem, de 12 parlamentares. São necessárias 19 firmas entre os 37 integrantes da bancada para que ele saia do cargo. O ex-líder do PR Lincoln Portela (MG) tentava colocar panos quentes na situação. “O partido tem de ter a cabeça fresca e no lugar para não haver consequências ruins aos dois lados. Temos de lavar a roupa suja dentro do partido”, avaliou.
As denúncias apontadas por Garotinho, sem qualquer prova até o momento, deverão ser investigadas no Conselho de Ética da Câmara, onde Eduardo Cunha anunciou que vai representar contra o parlamentar para que se apure possível quebra de decoro.
Novo ataque
Na sessão de quarta-feira, Garotinho afirmou que a emenda apresentada por Cunha desfigura o texto da MP aprovado na comissão mista. "Não votarei nessa emenda aglutinativa. Ela deveria ter outro nome; essa não é a MP dos Portos, eu vou dizer e assumo: essa é a MP dos porcos. Essa MP está cheirando mal, não está cheirando só mal, não, está podre. Eu digo e assumo", afirmou Anthony Garotinho. Logo depois, o líder do PMDB na Câmara rebateu seu discurso e disse que a emenda era uma junção de destaques apresentados por parlamentares de várias legendas. "A quem interessa o tumulto? É a quem não interessa votar", afirmou.
Na manhã de ontem, o líder do PMDB disse que ia pedir ao presidente nacional da sigla, senador Valdir Raupp (RO), que entre com um pedido de abertura de processo de cassação contra Garotinho. Apesar da ameaça, o deputado do PR voltou à carga. Ele subiu à tribuna da Casa à tarde e reafirmou o discurso feito na noite de quarta-feira. "O melhor que aconteceu para o Brasil foi não ter sido votado aquele arranjo, aquela coisa grotesca", classificou o deputado. Para Garotinho, grupos econômicos atuam no Congresso para evitar mudanças no setor. "O que falei ontem está mantido", reforçou.
Corrida no Senado
Depois de ouvir a cobrança da presidente Dilma Rousseff para que o Congresso vote a MP dos Portos até a próxima semana, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que vai procurar os líderes dos partidos para agilizar a votação. Renan vai tentar quebrar a regra informal estabelecida na Casa que determina prazo mínimo de 10 dias para a análise de MPs. A medida perde a validade quinta-feira e até lá precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado. "Temos acordo para não votar essas matérias antes de 10 dias, mas isso pode ocorrer em função de uma excepcionalidade consensualmente construída. Se a Câmara se manifestar, vamos tentar repetir a excepcionalidade", afirmou Renan.
Por dentro da MP 595
O que é
» Conhecida como como MP dos Portos, a medida, enviada ao Congresso em dezembro, estabelece novos critérios para a exploração e arrendamento para a iniciativa privada de terminais de movimentação de carga em portos públicos. Com as mudanças, o governo federal pretende ampliar os investimentos privados e modernizar os terminais, a fim de baixar os custos de logística e melhorar as condições de competitividade da economia brasileira.
Licitação
» Uma das principais mudanças previstas na MP é a adoção do critério de maior eficiência com menor tarifa para a licitação de portos. Por ele, ganha o contrato quem oferecer a maior movimentação possível de carga pelo menor preço por tonelada. O critério substitui o adotado na Lei dos Portos, de 1993, pelo qual ganha a licitação para arrendamento de um terminal portuário público a empresa que pagar ao governo federal o maior valor pela outorga.
Emendas
» As mudanças mais polêmicas propostas pelos deputados dizem respeito à extensão de novos contratos e à prorrogação dos antigos. Emenda aprovada pela comissão especial garantiu a extensão para até 50 anos dos novos contratos de concessão de terminais. A intenção do governo era de que a validade máxima de 50 anos fosse aplicada apenas para os contratos de 25 anos. Outra emenda torna obrigatória a renovação de todos os contratos, o que garantiria a vigência de vários arrendamentos anteriores a 1993 por mais 10 anos. Pelo texto encaminhado pelo governo só poderão ser prorrogadas as concessões se ainda existir essa possibilidade contratualmente.