Estima-se que existam pelo menos 100 sociedades que abraçam a causa do fim da servidão. Muitas estão filiadas à Confederação Abolicionista, criada em 1883 pelo advogado e deputado por Pernambuco Joaquim Nabuco. Formadas, geralmente, por membros da elite intelectual, por pessoas ligadas à Igreja e jovens interessados nas ideias positivistas do filósofo francês Auguste Comte – que têm reforçado, inclusive, um “levante” republicano contra a Coroa –, essas entidades promovem os chamados meetings para se reunir. Nesses encontros, debatem o panorama político do país, centrando as discussões na abolição da escravidão, e angariam fundos para a causa. Bailes, almoços, quermeses e bazares se multiplicaram nos últimos anos em todas as províncias.
Os recursos são usados tanto para pagar alforrias quanto para apoiar quilombos formados por resistentes, estratégia que tem pressionado fazendeiros de norte a sul do país a alforriar seus escravos ou negociar condições para mantê-los. No Rio de Janeiro, onde, desde o ano passado, a polícia diminui a repressão aos negros fugidos – posição oficializada por um comunicado do Exército remetido à Coroa –, fala-se na expansão da “cidade negra” e seus quilombos abolicionistas. No fim da Praia do Leblon havia um, ao qual era possível chegar de trem. Em Jacarepaguá, outra comunidade de negros, chamada Camorim, ganha força. Há comunidades também em São Cristóvão, no Engenho Novo e na Penha. O lema, nesses locais, é “A escravidão é um roubo”, popularizado pela Confederação Abolicionista.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Joaquim Nabuco, advogado, deputado por Pernambuco e criador Confederação Abolicionista
A opinião pública credita o avanço da abolição ao apoio do Partido Conservador à causa. Isso enfraquece os liberais?
Apesar de ter caminhado muito desde 1884, o Partido Liberal não tinha chegado ao ponto de inscrever no seu programa de governo a abolição imediata incondicional. É duro para o Partido Liberal eclipsar-se neste momento em que se passa uma verdadeira apoteose nacional. Mas a culpa é somente nossa. Fomos nós que não acreditamos que a abolição imediata pudesse ser feita, embora hoje todos a achem fácil. Ainda no passado, nós não acreditávamos.
Mas o senhor acredita em consequências reais desse desgaste na opinião púbica?
Quando se entra na vida civil é que se escolhe um partido. É agora que a raça negra vai escolher o seu partido, vai dar o seu coração. Eu tenho medo de que a raça negra, que, no fundo, é o povo brasileiro, filie-se ao Partido Conservador acreditando que foi ele, e não o Partido Liberal, quem mais concorreu, quem maior alegria teve na sua liberdade.
Caso o projeto passe no Congresso, chega ao fim a tarefa dos abolicionistas?
Além dessa, há outra tarefa, a do futuro. A de apagar todos os efeitos de um regime que, há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores, e que fez do Brasil o Paraguai da escravidão. Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados do poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de trezentos anos de cativeiro.