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Estado de Minas MEMÓRIA

Aprovação do fim da escravidão no Senado foi acompanhada por uma multidão

Diante da derrota iminente, senhores de terras se apoiam na retórica do barão de Cotegipe, que representa uma das últimas vozes que se declaram contra a liberdade geral e imediata


postado em 13/05/2013 00:12 / atualizado em 13/05/2013 07:34

Renata Mariz

(foto:
(foto: "Nem sempre devemos confiar na opinião do momento. As grandes manifestações de entusiasmo, em todos os tempos, nunca foram permanentes ou muito duradouras", Braão de Cotegipe, senador pela Bahia)

Este domingo será diferente nos arredores do Senado Federal, que convocou uma sessão extraordinária para votar, ainda hoje e de forma definitiva, o projeto de lei que acaba com a escravidão no Brasil. A tranquilidade do Campo de Santana, grande praça no centro do Rio de Janeiro, em frente à casa legislativa, deve ser quebrada novamente pela multidão que vem acompanhando, atenta, as discussões em torno da proposta no Parlamento. Nos debates travados ontem, o barão de Cotegipe, senador pela Bahia, tomou conta da tribuna com um longo e inflamado discurso. Demitido do Conselho de Ministros recentemente pela princesa regente, Isabel, ele representa uma das últimas vozes que se declaram abertamente contra a abolição geral e imediata.

Com certa ironia em alguns momentos, o senador enumerou os efeitos negativos da proposta enviada pela princesa, que governa interinamente o país. Detalhou questões jurídicas, políticas e econômicas, além de “incovenientes práticos” para os fazendeiros, preocupação “humanitária” com os ex-cativos “ignorantes” e com o risco de uma “desordem generalizada”. Apesar do posicionamento do parlamentar, os senadores aprovaram a matéria em segundo turno – feito que deve ocorrer hoje, na terceira e última votação, segundo previsões tanto dos liberais quanto dos conservadores.

No início da sessão de ontem, o ministro da Agricultura, Rodrigo Augusto da Silva, destacado por Isabel para articular a aprovação da proposta, foi ao plenário do Senado. Não chegou a pedir a palavra, mas sentou-se à direita do presidente da Casa para acompanhar o debate. Um dos que mais falaram, Cotegipe desdenhou do clamor social em prol da causa abolicionista. “Nem sempre devemos confiar na opinião do momento. As grandes manifestações de entusiasmo, em todos os tempos, nunca foram permanentes ou muito duradouras.”

O senador mencionou também as acusações que o atingem desde que, em 1885, escalado por d. Pedro II, empreendeu os esforços necessários para que a Lei dos Sexagenários passasse no Senado. A cláusula que estabelecia a obrigação de mais cinco anos de trabalhos forçados a título de indenização aos senhores de escravos deixou Cotegipe mal tanto com os abolicionistas – que, revoltados com a condição imposta, passaram a exigir a partir daquele momento a libertação total – quanto com os fazendeiros – contrários a qualquer tipo de modificação legal. Cotegipe ressaltou, entretanto, que, apesar de não ser favorável à abolição neste momento, não criará empecilhos para a aprovação do texto.

Ele chamou a atenção, porém, para a necessidade de integrar, por meio de políticas públicas, os ex-escravos à comunidade livre. “São necessárias sociedades de proteção aos libertos”, alertou. O conservador Cândido de Oliveira, senador por Minas Gerais, retrucou: “Não há mais libertos, são cidadãos brasileiros”. A tréplica veio imediatamente. “São libertos. Mas direi, se quiser, até que são ingleses”, ironizou o barão de Cotegipe, arrancando risadas do plenário. Ele ressaltou ainda que está recebendo cartas de fazendeiros preocupados com o fim da servidão. Os senhores de terras do Rio de Janeiro, abalados com uma sequência de safras ruins, têm sido os mais contrários à causa. Quando o projeto de abolição da escravatura foi votado na Câmara dos Deputados, dos nove votos contrários, oito foram dados por parlamentares fluminenses.

REPÚBLICA Os desdobramentos políticos da abolição também foram levantados ontem no Senado. Monarquista assumido, o barão de Cotegipe disse que a abolição total enfraquecerá a Coroa e representará o avanço dos republicanos no país. Ele afirmou que os defensores da República “candidamente” descarregaram seus interesses na causa abolicionista. Gritos de desaprovação eram frequentes no plenário durante as longas manifestações de Cotegipe. O senador, porém, desdenhou das censuras. “Não há ninguém atualmente mais impopular nesta terra do que eu”, ironizou.

Os desdobramentos políticos da abolição também foram levantados, ontem, no Senado. Monarquista assumido, Cotegipe disse que a alforria dos pretos enfraquecerá a Coroa e representará o avanço dos republicanos no país. Ele acusou os defensores da República de, “candidamente”, descarregar seus interesses na causa abolicionista. Gritos de desaprovação foram ouvidos no plenário durante as longas manifestações do aristocrata. O senador, porém, desdenhou das censuras. “Não há ninguém, atualmente, mais impopular nesta terra do que eu.”

DEMISSÃO As rusgas entre o barão de Cotegipe e a princesa Isabel tiveram início logo que a monarca assumiu o trono interinamente, há cerca de 10 meses, no lugar de D. Pedro II, afastado do país por razões de saúde. De um lado, o então presidente do Conselho de Ministros não escondia o incômodo de ser chefiado pela interina, referindo-se à experiência e ao talento do imperador ausente. Do lado de Isabel, foi crescente a antipatia com que tratava o nobre conservador, sobretudo porque ele deixou claro que nada faria sobre a emancipação dos escravos.

Em várias reuniões feitas com o Conselho de Ministros, a princesa regente exigiu providência de Cotegipe para conter o clamor social abolicionista. Em uma conversa reservada, o baiano recomendou a Isabel manter-se “neutra como a rainha Vitória (da Inglaterra)”. A interina teria retrucado, afirmando que a rainha era acusada de prejudicar os interesses da Inglaterra por causa da sua neutralidade.

Decidida a “fritar” o ministro, a regente aproveitou-se de um incidente ocorrido há meses. A polícia prendeu e espancou um oficial reformado que andava embriagado pelas ruas do Rio. O episódio foi mal recebido pela população. Isabel pediu explicações imediatas a Cotegipe, que não hesitou em defender seu subordinado, o chefe de polícia. O barão sustentou que os agentes apenas cumpriram ordens. Querendo se ver livre do ministro, Isabel insistiu em punir os responsáveis pela violência, levando Cotegipe a pedir demissão.

O barão ainda tentou fazer o substituto na chefia do Conselho de Ministros. Mas a princesa nomeou o conservador João Alfredo, senador por Pernambuco, que apoia a causa abolicionista. Nos bastidores, o senador desqualifica Isabel, chamando-a de “carola”.

Desde sábado, o Estado de Minas faz uma viagem no tempo para contar os bastidores dos dias que antecederam a sanção da Lei Áurea. A série de reportagens termina amanhã.


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