Jornal Estado de Minas

CNJ coloca uma pedra no preconceito de cartórios

CNJ obriga tabeliães a oficializar uniões homoafetivas. Recusas serão punidas. Em MG, casais recorrem à Justiça. A resolução pode ser alvo de recurso no STF

Marcelo da Fonseca- enviado especial Diego Abreu
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou nessa terça-feira , por 14 a 1, uma resolução que obriga os cartórios a registrar casamentos civis entre homossexuais e a converter uniões estáveis homoafetivas em casamento. De acordo com o texto, os cartórios estarão sujeitos a “providências cabíveis” por parte da corregedoria dos Tribunais de Justiça caso descumpram a orientação.
A medida, de autoria do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, foi editada para dar efetividade à decisão da Suprema Corte, de maio de 2011, que autorizou a união estável entre pessoas do mesmo sexo. A resolução do CNJ também é interpretada como uma resposta aos cartórios de alguns estados que, com frequência, vêm se recusando a celebrar a união homoafetiva.

Em Minas Gerais, casais do mesmo sexo encontram dificuldade para se casar no civil, sendo na maioria das vezes preciso recorrer ao Tribunal de Justiça para conseguir uma decisão favorável. Foi o caso do professor de direito constitucional Alexandre Melo Bahia e seu companheiro, Daniel Morais, que se casaram em 2011 mas enfrentaram resistência em um cartório da capital para oficializar a união. O casal fez o pedido em cartório no fim do ano passado, mas um funcionário alegou que não se sentia confortável para concluir o processo e a questão foi levada para decisão de um juiz. Até hoje eles não receberam resposta. “Quando procuramos o cartório, a experiência foi muito ruim, com atitudes preconceituosas de funcionários, que chegaram até a dizer que não seria um casamento de verdade. Em Minas, praticamente todos os casais tiveram problemas desse tipo”, lembra Alexandre.

O professor universitário acredita que a decisão do CNJ vai impedir que situações de desrespeito e descumprimento da lei se repitam em vários cartórios do país. “Com certeza, uma vez publicada a resolução podemos ter avanços importantes, já que não há mais o que discutir. Os cartórios passam a ser obrigados a fazer a conversão”, aposta Alexandre. Como o cartório, embora órgão extrajudicial, é subordinado ao Tribunal de Justiça do estado, os questionamentos à decisão do CNJ passam a ser passíveis de punição.

Para Maria Cândida Baptista Faggion, secretária-geral da seção mineira da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) – que representa os cartórios – , a partir de agora as recusas devem acabar. “Em Belo Horizonte, por exemplo, a questão não era barrada só em cartórios. Quando o pedido feito por casais do mesmo sexo chegava ao Ministério Público e ao juiz, muitas vezes a resposta era negativa, o que fazia com que o pedido fosse levado a instâncias superiores. Agora, existe a ordem superior e todos vão aceitar sem problemas”, avalia.

Questão nacional

O pedido para que o CNJ emitisse uma resolução determinando o reconhecimento ao direito de união estável foi feito em dezembro do ano passado pela vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Maria Berenice Dias. “O objetivo era conseguir uma posição nacional sobre um assunto que vinha sendo tratado de forma diferente nos estados. Alguns não regulamentavam as regras, outros tinham cartórios resistentes aos pedidos de casais homossexuais, ou seja, uma grande bagunça”, explica ela.

Joaquim Barbosa lembrou ontem que o Supremo já havia reconhecido a união entre homossexuais e que essa nova decisão vem para reforçar a necessidade de tratamento igualitário entre homossexuais e heterossexuais. “Nossa sociedade passa por diversas transformações e o CNJ não deve ficar indiferente a isso”, disse.

Recurso A decisão, no entanto, foi vista com ressalva por ministros do STF e pelo Ministério Público Federal (MPF). O ministro Gilmar Mendes observou que, no julgamento realizado há dois anos, o Supremo não autorizou o casamento civil entre homossexuais. “Pelo que me lembro, o tribunal só tratou da questão da união estável, mandou aplicar a união estável. Ficou muito claro isso”, disse.

A resolução do CNJ poderá ser alvo de recurso ao Supremo. O subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino classificou de “louvável” o mérito da decisão, por considerar que a sociedade deve parar de dar tratamento desigual à pessoa humana, mas frisou que o STF não autorizou, em momento algum, a conversão automática da união estável em casamento: “O STF não decidiu isso. É necessária a edição de uma lei ou uma nova decisão em outra ação por parte do STF”.

No julgamento da ação proposta pelo governo do Rio de Janeiro, em 2011, ocasião em que o Supremo considerou legal a união estável homoafetiva, pelo menos cinco ministros mencionaram que a decisão era restrita a uniões, e não ao casamento: Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Cezar Peluso (aposentado).

Na avaliação do ministro Marco Aurélio Mello, a decisão do CNJ não contraria o entendimento do STF. “O CNJ atuou administrativamente. Ele pinçou do nosso acórdão essa conclusão”, avaliou. “Penso que reflete o que nós convivemos em pleno século 21. E a inspiração, a base maior, foi o pronunciamento do Supremo, muito embora ele não tenha sido explícito quanto a isso”, completou. Na sessão de ontem do CNJ, a única conselheira a votar contra a resolução de Barbosa foi Maria Cristina Peduzzi. Para ela, o casamento civil homoafetivo só pode ser definido por lei. A decisão do CNJ vale a partir da publicação no Diário de Justiça, nos próximos dias.

o que diz a resolução

De acordo com o artigo 1º fica “vedada às autoridades competentes (no caso, os cartórios) a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.  O texto determina também que caso aconteçam recusas de cartórios a punição será discutida juridicamente: “A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis”.