A Comissão da Anistia do Ministério da Justiça pode promover o cabo Cecílio Emigdio Saturnino (1940–2001) a patente de coronel da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG). Caso atenda o pedido da família, a comissão, que se reúne na Faculdade de Direito da UFMG na sexta-feira, fará algo semelhante ao que se deu com o guerrilheiro Carlos Lamarca (1937–1971), que ao ser julgado em 2007 recebeu do estado brasileiro um pedido de perdão e foi promovido de capitão do Exército a general de brigada. Entretanto, em 2010, duas ações de militares da reserva conseguiram suspender na Justiça do Rio de Janeiro o pagamento da pensão aos familiares de Lamarca. A família aguarda decisão sobre recurso impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“Ele era muito inteligente e se não tivesse sido expulso da PM por questões políticas poderia ter chegado à patente de coronel”, afirma o sobrinho de Saturnino, Reinaldo Nunes da Silva, de 56 anos. Além da pensão e dos retroativos relativos ao período em que ficou afastado da Polícia Militar (desde que foi preso em 1971), a família de Saturnino (morto em 2001) pode receber uma indenização de até R$ 100 mil, além de um pedido de perdão feito pelo governo brasileiro.
Saturnino nasceu em Ribeirão Vermelho, no Sul de Minas, em 1940. Segundo seu sobrinho, o pai do militar era ferroviário e mudou-se para o Rio de Janeiro e depois para Belo Horizonte, onde Saturnino ingressou na PMMG. “Quando aconteceu o golpe militar, em 1964, meu tio não apoiou. Ele e outros policiais começaram a participar de grupos de esquerda”, destacou Reinaldo. Por orientação da Ação Libertadora Nacional (ALN), Saturnino morava no quartel e passava informações aos militantes. Durante um assalto promovido pela ALN a uma agência bancária na esquina da Rua Guajajaras com Avenida Afonso Pena, no Centro de Belo Horizonte, Saturnino fazia a guarda e liberou o trânsito na avenida, permitindo que os militantes fugissem por um caminho livre.
“Após essa ação ele foi informado por companheiros de farda que comungavam das ideias que seria preso e fugiu”, contou o sobrinho. Saturnino foi para o Rio de Janeiro, para o interior de Minas, onde deu treinamento de tiros a militantes da ALN, e para São Paulo, até ser preso em São Vicente, no litoral paulista.
Tiros
Reinaldo lembra que quando seu tio estava clandestino os órgãos de repressão do Exército e da polícia perseguiram a família. “Cada policial tinha quatro fardas e meu tio havia deixado duas na minha casa. Estávamos esperando um momento para sumir com elas. Quando eu saí pela janela, a polícia viu um movimento em um matagal próximo a minha casa, no Bairro Primeiro de Maio, e atirou”, lembra Reinaldo, que tem até hoje chumbo de estilhaços da bala em sua perna.
A ordem era matar Saturnino, segundo Reinaldo. Porém, com a pressão da família, que fez vigília na porta do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde estava preso, ele não morreu. De Belo Horizonte, o policial seguiu para Juiz de Fora, onde ficou preso na Penitenciária de Linhares.
Um dos companheiros de Saturnino no presídio foi Gilney Viana, atual coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal. “A ALN tinha um aspecto militarista e o fato de ele ser militar era muito importante. Mas quem o conheceu pessoalmente pode ser surpreendido por ele ser tão engajado em uma organização guerrilheira, pois era um sujeito muito dócil”, recorda Viana.
Após sair da prisão, em 1979, com a anistia, Saturnino se formou em jornalismo, trabalhou em jornais e revistas até ser contratado pela empresa Construtel, segundo relato do sobrinho Reinaldo. O proprietário da empresa à época era o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB), militante da Corrente Revolucionária, que depois se integrou à ALN, à a qual pertencia Saturnino. Lacerda também esteve preso em Linhares, em Juiz de Fora. Depois de participar de uma greve, Saturnino foi demitido.
Monumento
Além do julgamento promovido pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, na sexta-feira, outra atividade vai homenagear as vítimas da ditadura. Será inaugurado, no sábado, um monumento lembrando o nome de 58 vítimas que morreram durante os anos de chumbo. O marco ficará na Avenida Afonso Pena, em frente ao Departamento de Investigação Antidrogas, que no passado abrigou o Dops, local de prisão e tortura.