Um dos casos mais famosos relacionados é o do deputado federal Rubens Paiva, desaparecido em janeiro de 1971. Paiva aparece na lista de mortos de um prontuário ultrassecreto elaborado pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar) em 1972 , obtido pela comissão. Mas, na resposta fornecida ao governo em 1993, a Marinha reforça a versão de que o deputado teria escapado da custódia do Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), e cita o deputado como foragido.
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“A Marinha Brasileira ocultou deliberadamente informações ao Estado brasileiro, já no período democrático. De todos os serviços secretos militares, o da Marinha é o mais fechado. A cultura do segredo é levada às ultimas consequências”, afirmou Heloísa, que classificou o Cenimar como um dos organismos mais ferozes no interior da estrutura de repressão da ditadura militar. Na época do relatório entregue ao governo Itamar, o comandante da Marinha era o almirante-de-esquadra Ivan Serpa.
Em nota, a Marinha afirma que todos os registros existentes nos arquivos da instituição foram encaminhados ao Ministério da Justiça em 1993, e diz que não há qualquer outro registro nos documentos da Força. “Cabe mencionar que, entre os valores e preceitos éticos cultuados pela Marinha, destaca-se o rigoroso cumprimento das leis e dos regulamentos. Nesse contexto, a Marinha do Brasil continuará contribuindo para a consecução das tarefas desempenhadas pela Comissão Nacional da Verdade, colocando-se à inteira disposição para o atendimento de qualquer demanda que esteja ao seu alcance”, diz o comunicado.
Torturas
Em sua apresentação, a pesquisadora Heloísa Starling contesta a versão de que as ocorrências de tortura de militantes presos em quartéis e delegacias eram fatos isolados, que não eram de conhecimento dos comandos das três Forças Armadas. O organograma apresentado pela pesquisadora mostra que a cadeia de comando dos DOI-Codi instalados no país chegava até os ministros militares, o que, na avaliação de Heloísa, evidencia a responsabilidade das Forças Armadas e do Estado brasileiro nas violações de direitos humanos ocorridas na época contra os militantes políticos de esquerda. “Toda a nossa bibliografia mostra que a estrutura de comando ia apenas até o segundo nível, que é onde estavam o Centro de Informação do Exército e o Cenimar”.
De acordo com a pesquisadora, o comando do DOI-Codi tinha três linhas de comunicação direta com o Exército. “No topo do comando, estavam o general Orlando Geisel, ministro do Exército, o ministro da Marinha, Almirante Adalberto de Barros Nunes, e o ministro da Aeronáutica, Marechal do Ar Márcio de Souza Melo”, afirma Heloísa.
Outra conclusão apresentada pela comissão diz que as violações de direitos humanos e a prática da tortura nos quartéis e delegacias começaram já no início do regime ditatorial, em 1964, e não depois da edição do Ato Institucional 5 (AI-5), ou em resposta ao surgimento de grupos armados dentro dos movimentos de oposição ao regime. “Em 1964, já é possível identificar centros de detenção e de tortura”, relatou Starling, que apresentou informações sobre pelo menos 32 bases onde militares usavam a tortura como instrumento para obter informações de presos políticos. “A tortura não era praticada de forma pontual. Ela é a base da matriz da repressão da ditadura”, afirmou a pesquisadora.
Os resultados preliminares da comissão reforçam as posições, dentro do órgão, que defendem a revisão da Lei da Anistia. “É da natureza da comissão aceitar princípios internacionais de direitos humanos. Nesse entendimento, crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis. Vamos ter que recomendar que eles sejam submetidos a jurisdição interna”, disse a nova coordenadora da CNV, Rosa Cardoso.