Brasília – Após suspeitas de irregularidades em processos de adoção de crianças brasileiras por famílias estrangeiras terem vindo a público, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas, instalada na Câmara dos Deputados, estuda a apresentação de propostas legislativas que tornem mais rigorosas as exigências para adoção internacional.
Segundo o presidente da comissão, deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), os parlamentares discutem ao menos três propostas. A principal mudança limitaria a possibilidade de se adotar uma criança e levá-la do Brasil apenas às famílias que vivem em países que assinaram a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, chamada Convenção de Haia.
Esse organismo, representado no Brasil pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de acordo com o Decreto 3.174/1999, tem entre outros papéis estabelecer a cooperação internacional brasileira com relação ao tema e credenciar os organismos que atuam em adoção para estrangeiros no território nacional. Todos os países que assinaram a Convenção de Haia devem criar sua autoridade central.
Concluída em 1993, a convenção estabelece um sistema de cooperação entre os países signatários com o objetivo de garantir os interesses e os direitos fundamentais das crianças adotadas e também de prevenir o sequestro, a venda ou o tráfico. No Brasil, a norma entrou em vigor em junho de 1999, por meio do Decreto 3.087, da Presidência da República.
Há, no entanto, vários países que não ratificaram o acordo, e muitos pedidos de adoção são protocolados justamente por famílias desses países. Atualmente, a admissão dos pedidos por estrangeiros residentes em países que não assinaram ou ratificaram a Convenção de Haia está permitida na Terceira Cláusula da Resolução 3 de 2001, do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras, presidido pela Autoridade Central Federal.
Os deputados que integram a CPI do Tráfico de Pessoas da Câmara dos Deputados também querem o fim da intermediação dos processos adotivos por pessoas físicas. “Só será possível a intermediação por entidades reconhecidas pela Autoridade Central”, explicou Jordy à Agência Brasil.
A Convenção de Haia prevê que organismos devidamente credenciados pelas autoridades centrais de seus respectivos países trabalhem para “facilitar, acompanhar e acelerar o procedimento de adoção”. Esses organismos, contudo, não devem ter fins lucrativos. E precisam ser dirigidos por pessoas qualificadas, com formação ou experiência em adoção internacional. Além disso, deverão estar submetidos à supervisão das autoridades locais competentes.
As duas propostas em discussão surgiram a partir da análise das denúncias contra a organização não governamental (ONG) Limiar, com sede em São Paulo, e contra seu ex-representante no Paraná, Audelino de Souza. A entidade é suspeita de intermediar 1,7 mil processos de adoção de crianças de várias partes do país ao longo dos últimos anos.
Os Estados Unidos eram o principal destino dessas crianças. A CPI investiga se a ONG ou seus funcionários envolvidos nos processos de adoção cobravam valores que, segundo informações preliminares, podiam chegar a R$ 9 mil. Audelino de Souza e o presidente da Limiar, Ulisses Gonçalves da Costa, negam qualquer irregularidade.
Embora estivessem credenciados pelo Tribunal de Justiça do Paraná, nem a entidade, nem Audelino estavam, segundo a CPI, cadastrados na Autoridade Central Federal.
Esse fato motivou a CPI a discutir a terceira proposta. “Além de ter que passar pelo Ceja [Comissão Estadual Judiciária de Adoção], os processos terão que ser acompanhados integralmente pela Autoridade Central”, disse Jordy. São os Cejas que estudam, analisam e fiscalizam os pedidos de habilitação de estrangeiros que pretendem fazer a adoção, bem como auxiliam os juízes da Infância e Juventude.