Jornal Estado de Minas

Crimes cometidos sob efeito de drogas sobrecarregam a justiça

Nas sete câmaras criminais de Minas, 70% dos processos de homicídios, roubos e agressões contra mulheres estão relacionados aos entorpecentes

Bertha Maakaroun - enviada especial

"São poucos aqueles que querem vir atuar na área criminal. E eu, cinco anos depois, já estou precisando sair. A gente vê tanta coisa que acaba perdendo a sensibilidade do que é morrer e matar", diz Eduardo Machado, desembargador da 5ª Câmara Criminal - Foto: Beto Novaes/EM/D.A PressSetenta por cento dos processos criminais em Minas Gerais têm o envolvimento de drogas. Embora não existam estatísticas oficiais, os números crescem ano a ano, segundo registram desembargadores das câmaras criminais, congestionando principalmente a Polícia Judiciária e a Justiça em primeira instância em todas as comarcas do estado. O problema é descarregado na segunda instância, onde aterrissam as apelações. Segundo o desembargador Eduardo Machado, há quatro anos na 5ª Câmara Criminal, ao longo de 2012, os 34 desembargadores das sete câmaras criminais receberam cerca de 50,8 mil novas apelações criminais e pedidos de habeas corpus para 46,9 mil acusados em 2011, um aumento de 7%.

 Entre janeiro e abril deste ano, só na 5ª Câmara Criminal foram julgados 4.145 casos, número superior às 3.867 decisões da 4ª Câmara Cível, que se destacou em número de processos no período. No mesmo período, já foram distribuídos mais de 12 mil habeas corpus. “A maior parte dos homicídios, furtos, roubos e agressões contra mulheres enquadradas na Lei Maria da Penha está relacionada com as drogas”, afirma o desembargador. “O problema é sério e atinge em cheio os jovens. Muitos dos condenados em primeira instância, quando julgado o recurso pelas câmaras criminais, já foram assassinados por tiro ou facada”, lamenta Machado.

 Se de um lado as frequentes prisões em flagrante por crime de tráfico são aquelas com decisões judiciais mais rápidas – com trânsito no Tribunal de Justiça de, em média, um ano e meio –, a questão se torna bem mais complexa diante de um conjunto de outros crimes, principalmente o homicídio e a associação para o tráfico. “São processos volumosos, que envolvem dezenas de réus, dedicação quase exclusiva das equipes de investigação. Nas comarcas, os juízes se debruçam por anos a fio sobre esses casos”, explica o desembargador.

 

Exemplos de casos cada vez mais complexos no emaranhado do tráfico não faltam. É de 2008 o processo envolvendo 65 réus, acusados de associação para o tráfico em Varginha, no Sul de Minas. Na semana passada 29 dos condenados em primeira instância foram julgados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que manteve a decisão. Outros 13 réus condenados estão foragidos. Foi um processo com 29 volumes, a decisão do juiz tinha 149 laudas e o acórdão do Tribunal de Justiça outra centena de páginas. “São casos difíceis de serem instruídos, pois é preciso fazer a ligação direta entre todas as pessoas”, avalia Eduardo Machado, que enumera as centenas de horas de gravação que resultaram da quebra do sigilo telefônico, a degravação, a vigilância, que, ao longo de anos do inquérito policial, manteve a atenção de boa parte da equipe da delegacia de Polícia Civil local.

 SOBRECARGA A disputa por pontos de tráfico e pelo comando do comércio de drogas responde, por seu turno, por muitos homicídios. Há três anos, em Carlos Chagas, Região Nordeste de Minas, o Ministério Público denunciou sete por terem matado uma pessoa. O corpo foi jogado no rio. A motivação para o crime: “concorrência desleal” na venda das drogas. Depois de se desligar da quadrilha, a vítima passou a vender drogas por conta própria, irritando os antigos aliados. “Em um só processo são sete réus, que recebem condenações diferentes e também recursos diferentes. Tudo isso gera uma sobrecarga de casos que abarrotam as nossas prateleiras”, informa Eduardo Machado.

 Conflitos entre gangues rivais no tráfico, assassinatos, assaltos à mão armada para a compra de drogas, violência contra as mulheres são os crimes mais frequentes associados às drogas, segundo o desembargador. A reboque deles há mais e mais pedidos de habeas corpus, já que aqueles que estão presos pedem a liberdade provisória em primeira instância e, quando negada, buscam o Tribunal de Justiça. Para tantos casos que desembocam na segunda instância, até 2010 eram cinco câmaras criminais no Tribunal de Justiça. “Agora são sete. E em breve talvez sejam necessárias mais câmaras”, afirma Machado. Sempre lidando com casos dramáticos, ele desabafa: “São poucos aqueles que querem vir atuar na área criminal. E eu, cinco anos depois, já estou precisando sair. A gente vê tanta coisa que acaba perdendo a sensibilidade do que é morrer e matar”.