O “presente” para os reprovados financeiramente está em dois pontos. Um deles, que já consta de um projeto de lei, confirma e torna ainda mais clara e definitiva uma regra colocada na primeira reforma de 2009: a de que os candidatos que tiveram contas de campanha reprovadas pela Justiça Eleitoral podem concorrer de novo, desde que as tenham prestado. Ou seja, se o candidato entregou os números, mesmo que tenham sido encontradas irregularidades e tenha sido verificada a prática de caixa dois, por exemplo, ele pode concorrer novamente.
O outro ponto que os parlamentares estão articulando tira poder dos tribunais de Contas de tornar ficha-suja um candidato que teve a contabilidade reprovada em alguma função da administração pública que exerceu. Atualmente, basta a rejeição das contas pelos TCEs para um prefeito, governador ou outro agente público reprovado ficar impedido de concorrer. Agora, os parlamentares querem dar a palavra final para as câmaras municipais ou assembleias legislativas, fazendo com que sejam válidos somente os resultados de votação dos vereadores e deputados sobre o que disseram os tribunais. Com isso, a definição fica para um voto político.
Escolhido coordenador do grupo de trabalho que está elaborando a proposta, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) afirmou que vai incluir somente o que for acordo entre os partidos. “Aí você pergunta com o que o PSDB concorda”, provocou. Segundo o petista, a aprovação dos pareceres dos TCEs pelo Legislativo deve entrar em um projeto de lei complementar. “Parecer do TCE para contas de governo rejeitando não vale para o Ficha Limpa, o TSE já não considera. Vamos fazer lei o que o tribunal já entende”, justificou.
Para se ter uma ideia, listagem do Tribunal de Contas da União entregue à Justiça Eleitoral em junho do ano passado contabilizou 7 mil nomes de pessoas que exerceram cargos públicos em todo o país e tiveram contas reprovadas, dos quais 486 eram de Minas Gerais. Já o balanço do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais aponta que 411 contas de prefeitos julgadas no ano passado foram reprovadas. Sobre as campanhas, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais informou que, só nas eleições do ano passado, em fase de recurso, existem hoje 391 rejeições de contas de candidatos a vereador e 64 de quem concorreu a prefeito.
Ingerência A vice-procuradora geral eleitoral, Sandra Cureau, explicou que o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, de que basta apresentar as contas para poder ser candidato, é condenado pelo Ministério Público, que tem hoje centenas de recursos contra essa liberação. O próprio TSE já chegou a entender que as contas precisariam ser aprovadas, mas depois recuou, bastando a prestação. “Criou-se uma situação louca em que alguém que não apresentou contas, porque desistiu de concorrer por exemplo, mas não cometeu nenhum ilícito, não preenche as condições de elegibilidade, enquanto quem pintou e bordou, tendo a conta rejeitada, pode concorrer”, disse.
Na avaliação do MP, quem tem competência para julgar as contas da gestão pública são os tribunais de Contas e não há motivo para ingerência dos legislativos. A procuradora lembra que as decisões das câmaras e assembleias são políticas. “São duas situações em que estão tentando consagrar um entendimento que vai beneficiar os candidatos ficha-suja e esvaziar a lei da ficha limpa. O mais grave é que são pessoas totalmente inaptas a lidar com o dinheiro público, que a partir disso poderão ser eleitas livremente. É tudo o que se tentou evitar. Essas pessoas não têm moralidade ou probidade para lidar com o dinheiro público”, ressaltou Sandra Cureau.
O coordenador das promotorias eleitorais de Minas Gerais, Edson Resende, reforçou que a aprovação desses dispositivos será de grande prejuízo para a população. “É um desrespeito à iniciativa da sociedade, que deu um passo adiante na moralização dos mandatos”, afirmou. No caso da flexibilização das contas dos gestores públicos, a troca do julgamento técnico pelo político pode ser perigosa em dois sentidos. “Tanto alguém que teve conta rejeitada consegue se livrar por ter maioria no Legislativo, como quem teve uma gestão adequada mas não tem apoio na Câmara pode ser condenado. Quem tem que fazer o julgamento é o tribunal de Contas, que tem gente especializada para isso”, afirmou.
Como pode ficar
» O candidato que já concorreu em pleitos passados está liberado para tentar a sorte nas urnas novamente, desde que tenha apresentado suas contas de campanha. A proposta deixa expressa a liberação de quem teve a contabilidade rejeitada para concorrer.
» Quem já teve cargo público e teve as contas que administrou reprovadas pelos tribunais de Contas também fica liberado. Para estar inelegível, será preciso que esses pareceres sejam votados pelas câmaras municipais e assembleias legislativas e que os parlamentares confirmem a rejeição.
» Fica proibido trocar candidatos a cargos majoritários a menos de 20 dias da eleição, a não ser em caso de morte. A intenção é evitar que pessoas sabidamente inelegíveis sejam substituídas na véspera, induzindo os eleitores a votar em um e eleger outro.
» Os votos de candidatos que concorreram com alguma pendência judicial e acabarem cassados passam a ser computados para a legenda à qual são filiados.
» Fica liberada a chamada pré-campanha. O anúncio da pretensão de concorrer a cargos eletivos passa a ser considerado ato da vida política, desde que os pré-candidatos não peçam voto explicitamente.
» Fica permitido o uso das redes sociais para manifestação individual de pensamento.
» Sempre que o candidato mais votado for cassado pela Justiça Eleitoral serão realizadas novas eleições, independentemente do percentual de preferência do vencedor. O segundo colocado não fica com a vaga.