Licitações de mais de R$ 1,2 bilhão para obras ou aquisição de materiais e serviços precisaram ser suspensas no ano passado pelo Tribunal de Contas do Estado para evitar fraudes ou aplicação errada do dinheiro público em Minas Gerais. O valor é referente a 243 procedimentos envolvendo mais de uma centena de prefeituras de todos os portes e o governo estadual. Seja por erros técnicos ou indícios de direcionamento, os processos ficam impedidos de prosseguir enquanto os responsáveis não resolvem as irregularidades apontadas. São concorrências com objetos que vão desde uma simples compra de pneus ou combustíveis até as obras para mobilidade da Prefeitura de Belo Horizonte para a Copa do Mundo de 2014.
As suspensões de concorrências e pregões que tratavam, separadas, de milhões de reais somaram R$ 1.224.913.684,21, segundo registros do TCE mineiro. Além da PBH, foram encontrados problemas em processos de prefeituras como a de Montes Claros, Sete Lagoas, Betim, Ribeirão das Neves, Uberlândia e Ipatinga. “Em grande medida, os vícios que levam às suspensões liminares decorrem de erros técnicos e não de atos de corrupção, mas isso não os torna menos prejudiciais ao interesse público”, afirmou o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Glaydson Soprani Massaria.
A obrigação constitucional de fazer licitação, segundo Glaydson Massaria, existe para garantir a contratação mais vantajosa e com ampla participação na concorrência. Ocorre que na maior parte dos casos as falhas restringem essa competição. “Elas fazem com que um número menor de empresas participe e, consequentemente, não há garantia de que seja obtida a melhor proposta”, explica. De acordo com o procurador, há ainda casos em que as obras ou serviços são superfaturados, o que gera prejuízo aos cofres públicos. O TCE verifica as irregularidades e determina a suspensão imediata dos processos, mas os casos são reversíveis, bastando que os responsáveis corrijam os erros apontados.
É o caso da Prefeitura de Belo Horizonte, que recorreu e obteve decisão do Tribunal de Justiça determinando que fossem feitas as correções apontadas pelo TCE para que o processo prosseguisse. Em março do ano passado, o TCE suspendeu licitação para implantar a estação de integração do BRT São Gabriel, no valor estimado de R$ 44,3 milhões. Também foi barrado um empreendimento na Pampulha. As obras fazem parte dos investimentos para a Copa do Mundo de 2014, que ganharam uma comissão especialmente para essa fiscalização no tribunal. Foram encontrados vários erros técnicos, como prazo inadequado, falta de publicação na internet e previsão de visita técnica em um só dia. Ainda para o TCE, o critério de que somente empresas com mais de 10 anos poderiam ser classificadas poderia resultar em privilégio para algumas instituições.
Comprometida
Em Santa Luzia , na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o TCE mandou suspender o processo para contratação de empresa de engenharia para construir um aterro sanitário estimado em R$ 1.063.801,82, em que apenas uma empresa participou e saiu vencedora. Na análise do tribunal, a licitação ficou comprometida pela exigência de que somente profissionais que integrassem quadros permanentes de uma empresa poderiam participar, ficando vetados os autônomos. Para o TCE, “a ampla participação no certame ficou comprometida”.
Pelo menos dois dos procedimentos suspensos foram da Prefeitura de Sete Lagoas, na área de transporte público. O primeiro deles, no valor de R$ 1.240.023,04, foi barrado depois de comprovadas denúncias, como a previsão, no projeto básico, de as linhas alternativas concorrerem e serem operadas em conjunto com o transporte regular. A outra concorrência, também para concessão de serviços de transporte, foi suspensa porque o edital previa que o “conhecimento do problema” daria pontos aos candidatos, o que, para o TCE, prejudicaria a imparcialidade do certame. O contrato de transporte coletivo urbano e rural é no valor de R$ 354,2 milhões.
Também faz parte desse relatório e foi barrada por pontuação desproporcional para a escolha a concorrência promovida pela Secretaria de Estado de Defesa Social, suspensa em julho do ano passado. No valor de R$ 70,1 milhões, a licitação previa a contratação de uma empresa de “comprovada especialidade” para implantar e gerir o Sistema de Observação Eletrônica Prisional na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na avaliação do TCE, era incompatível pedir experiência em uma atividade que é recente no país.
Em 2012, pelo menos 25 municípios tiveram problemas na hora de comprar pneus, câmaras de gás e protetores para manutenção de veículos. O grande número de irregularidades na aquisição desses materiais levou o tribunal a lançar, no meio do ano passado, uma cartilha para apontar as principais falhas e instruir os administradores para evitar a suspensão das licitações. O TCE não informou quantos desses processos foram revertidos.
Mudanças na lei
Uma comissão do Senado vai estudar propostas para modernizar a Lei de Licitações e Contratos, que completa 20 anos neste mês, alvo de muitas críticas. Aprovada durante o governo Itamar Franco, logo após o escândalo dos anões do orçamento – que revelou um conluio entre empreiteiras e agentes públicos para fraudar obras bancadas com recursos de emendas de parlamentares –, a lei é classificada pelos órgãos de controle como ineficaz no combate à corrupção.
Desde que entrou em vigor, durante o governo do ex-presidente Itamar Franco (PMDB), a Lei de Licitações já foi alvo de 657 propostas de alteração no Congresso Nacional, a maioria delas (518) em tramitação na Câmara dos Deputados. O governo federal já editou 50 medidas provisórias propondo alterações.
A previsão é que os trabalhos da comissão do Senado sejam concluídos em três meses com a apresentação de um projeto único, que inclua sugestões da sociedade e dos parlamentares. Serão ouvidos os conselhos regionais de engenharia e agronomia, os sindicatos da indústria da construção civil, a Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico e também especialistas em direito e representantes do governo e órgãos de controle, como Controladoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU).
Ano passado, a Câmara dos Deputados discutiu com a população, por meio do portal e-Democracia, sugestões para mudanças na lei e chegou a compilar em um único projeto as mudanças propostas pela sociedade e pelos parlamentares. No entanto, esse relatório, de autoria do deputado Fábio Trad (PMDB-MS), ainda não foi votado na Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
Um dos pontos mais polêmicos é o que impede que empresas doadoras de campanha eleitoral prestem serviços para os governos que ajudaram a eleger. O documento também propõe que organizações não governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip) ) sejam submetidas a processo licitatório para firmar contratos com a administração pública. Essas entidades têm sido alvo nos últimos anos de denúncias de corrupção na prestação de serviços sem licitação para o poder público.