Brasília – Símbolo do Poder Legislativo, o Congresso Nacional teve a plataforma superior, onde estão as cúpulas da Câmara e do Senado, invadida por manifestantes às 19h20 dessa segunda-feira, no dia mais tenso dos protestos na capital federal, e que se alastraram por todo o país. O grupo – 10 mil de acordo com os organizadores e 7 mil na avaliação da Polícia Militar – caminhava pelo Eixo Monumental quando se dividiu para confundir os homens da PM. Parte correu para o gramado em frente ao espelho d’água do Congresso. O outro, aproveitando um descuido assumido pelos próprios seguranças, foi até o teto de mármore.
Às 22h, um grupo tentou invadir a chapelaria, destinada ao embarque e desembarque dos parlamentares, e foi reprimido com bombas de gás – até o fechamento da edição, não se sabia se era lacrimogêneo ou pimenta – lançadas pelos policiais militares. Instalou-se uma correria desordenada pela pista que levava ao Eixo Monumental, com pessoas passando mal ao inalar o gás lançado pelos militares.
O movimento foi organizado ao longo de todo o fim de semana pelas redes sociais e ocorreu dois dias após um confronto duro com a Polícia Militar na porta do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, no sábado, antes do jogo de abertura da Copa das Confederações entre Brasil e Japão.
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Onda de protestos é comparada às Diretas Já e aos caras-pintadasLula sobre protestos: não existe problema sem soluçãoPresidente do Congresso reconhece legitimidade de protestosRebelo diz que governo vai reprimir protestos em sedes da Copa das ConfederaçõesCâmara dos Deputados evita reforçar policiamento para conter novas manifestaçõesManifestantes deixam cúpula do Congresso no fim da noite dessa segunda-feiraO repertório dos “homenageados” pelo protesto era imenso. Sobrou para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e para a presidente Dilma Rousseff. O atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que no início do ano enfrentou protestos para que renunciasse ao cargo, foi xingado, bem como seu antecessor José Sarney (PMDB-AP).
Os jovens exigiram a saída dos deputados mensaleiros e a renúncia do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Marcos Feliciano (PSC-SP). Eles lembraram até o projeto que prevê o fim do voto secreto no Parlamento. “Voto secreto não, eu quero ver a cara do ladrão.” Também se manifestaram contra a PEC 37, que tira o poder do Ministério Público de fazer investigações criminais.
Vaias Um grupo de três senadores tentou negociar com os manifestantes. Eduardo Suplicy (PT-SP), Paulo Paim (PT-RS) e Inácio Arruda (PCdoB-CE) buscaram estabelecer diálogo. Foram vaiados como todos os demais políticos e voltaram reclamando que o movimento não tinha líderes disponíveis para o diálogo. “Queremos diálogo de consenso e sem violência”, reclamou Suplicy, sem êxito.
A Polícia Legislativa conseguiu negociar com os manifestantes e eles desceram pela rampa central do Congresso. Segundo relato dos presentes, a rampa, de mármore, tremia ao pulo dos jovens, diante de servidores assustados preocupados em avisar aos familiares que estavam bem. De vez em quando, alguém corria pelo gramado gritando: “a tropa de choque vem aí”, embora a reportagem não tenha visto movimentos do Batalhão Especial da PM no local.
Outro grupo seguiu, então, para a frente da chapelaria. Policiais militares sem identificação circulavam entre os presentes, aumentando o risco de tensão. “Ei, soldado, você está do lado errado” e “abram o caminho”, gritavam os manifestantes para os PMs e para os responsáveis pela segurança do prédio. Embora algumas pessoas tivessem desistido e retornado para casa, às 21h30 ainda era grande a concentração no gramado em frente ao Parlamento até que ocorreu o confronto mais duro com os policiais. As luzes do Comitê de Imprensa e das salas ao lado da vice-presidência foram apagadas, mas, em um gesto de boa vontade, um dos seguranças deu água para os manifestantes. “Amanhã vai ser pior”, ameaçavam, numa alusão ao movimento que deve ocorrer na quinta-feira. Segundo levantamento feito pelo Estado de Minas, adolescentes, jovens adultos e poucas pessoas acima dos 40 anos engrossaram a massa dos manifestantes.
O presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), divulgou nota no auge da crise. “O Congresso reconhece a legitimidade de manifestações democráticas como as havidas hoje, desde que as instituições sejam preservadas.” Assegurou que passou ordens à Polícia Legislativa para que não reprimisse a manifestação e que mantivesse apenas a ordem necessária.
Memória
Histórico e invasões
Um dos cartões-postais de Brasília, o Congresso é um tradicional palco de protestos na capital federal. E há um histórico de invasões do prédio e confronto com os seguranças. Em 2006, cerca de 500 integrantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) ocuparam o salão verde da Câmara dos Deputados. Armados com foices, pedras e pedaços de pau, eles quebraram uma porta de vidro e destruíram equipamentos ao reivindicar a reforma agrária. No saldo do protesto, 40 pessoas feridas e todos os manifestantes detidos em um ginásio de esportes. Em 6 de agosto de 2003, participantes de marcha contra a aprovação da PEC da Reforma Previdenciária tomaram as rampas do Congresso. A manifestação reuniu 50 mil pessoas, segundo a Polícia Militar. Em abril deste ano, um grupo de 700 índios que participava de uma reunião na Câmara decidiu invadir o plenário, em horário de sessão, com flechas e lanças. Deputados saíram correndo do local. Os indígenas queriam impedir que a demarcação de suas terras fosse decidida por deputados ruralistas.