Brasília — Enquanto a Seleção estava em campo, na tarde de ontem, cerca de 100 cidades brasileiras eram tomadas mais uma vez por manifestações. Assim como ocorreu nos últimos dias, a maioria dos protestos começou de forma pacífica e acabou em tumulto, confronto com policiais e vandalismo. Em Salvador, onde o Brasil disputava a partida contra a Itália, a entrada de torcedores ocorreu tranquilamente graças a um cordão de isolamento feito em torno da Fonte Nova, mas a cidade protagonizou cenas de batalha na área externa e no Centro.
A área próxima à Arena Fonte Nova foi cercada pelo batalhão de choque da Polícia Militar pela manhã, em um raio de 2km. A dificuldade de aproximação do estádio levou a um confronto entre alguns dos 1,5 mil manifestantes e policiais na região, com troca de bombas caseiras e de gás lacrimogêneo. Os grupos se dispersaram pela cidade, interrompendo algumas das principais pistas do Centro. Nesses locais, a polícia acompanhou o protesto a distância, garantindo que ele seguisse pacificamente. No início da noite, porém, houve novos confrontos. Seis pontos de ônibus foram depredados. O shopping Iguatemi, ponto de encontro da manifestação, fechou as portas por volta das 18h30 e esvaziou o prédio.
Três dias depois de 35 mil pessoas ocuparem a Esplanada dos Ministérios na marcha batizada de Acorda, Brasília!, um grupo estimado em 3,5 mil manifestantes voltou a protestar em frente ao Congresso Nacional. A mobilização, marcada via Facebook, tinha por objetivo protestar contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que tira poderes de investigação do Ministério Público. Durante a marcha, outras pautas foram incorporadas.
Antes da passeata, os organizadores debateram estratégias para denunciar vândalos aos policiais, como sentar no gramado quando algum ato violento fosse iniciado. Mesmo assim, dois adolescentes e um adulto foram detidos por carregarem seis coquetéis molotov. Segundo os investigadores, eles pretendiam atirar os artefatos contra os 750 PMs que faziam a segurança do local. Assim como na última quinta-feira, grupos mais radicais ocuparam o espelho d’água em frente ao Legislativo.
Jovens mais exaltados jogaram água contra a tropa, posicionada em linha para proteger a entrada do Congresso. A situação ficou tensa quando vândalos arremessaram bombinhas na direção dos PMs. Baderneiros e ativistas quase entraram em confronto. Os primeiros queriam usar métodos violentos, enquanto a maioria tentava manter o caráter pacífico do ato.
Por volta das 17h, o grupo seguiu em direção ao Congresso Nacional, cantou o Hino Nacional e voltou para a rodoviária do Plano Piloto. Duas horas depois, a multidão desceu novamente o Eixo Monumental até se estabelecer no Congresso. Na pauta de reivindicações, os manifestantes pediam a aprovação da lei que torna a corrupção crime hediondo, a retirada de tramitação da PEC 37, a revisão de foros privilegiados (para que deputados e senadores sejam julgados pela Justiça comum), a cassação do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e de mensaleiros como o deputado José Genoíno (PT-SP).
Com os anúncios de redução de tarifas de transporte público, demanda inicial dos manifestantes, os protestos de ontem começaram a ganhar temas específicos, como a rejeição à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que limita os poderes de investigação do Ministério Público.
A PEC seria votada nesta semana no Congresso, mas foi adiada por conta da pressão popular. As manifestações tendo a proposta como tema foram organizadas pelas redes sociais com evento intitulado Dia do Basta e ocorreram também em Goiânia, Anápolis (GO), Roraima, Lajeado (RS), Juiz de Fora (MG), Curitiba, Maceió, Aracaju, Teresina, Belém, Taubaté (SP) e Araraquara (SP).
(Colaboraram Amanda Maia, Mara Puljiz, Maria Júlia e Lledó Saulo Araújo)
Rio contabiliza prejuízos
Rio de Janeiro – A capital fluminense amanheceu ontem contabilizando os estragos causados por vândalos na noite de sexta-feira. Um grupo aproveitou as manifestações para saquear e incendiar lojas e depredar estabelecimentos por onde passava. Só em uma concessionária na Barra da Tijuca, os prejuízos chegaram a R$ 2 milhões. Durante o dia, ativistas voltaram a se reunir e houve um protesto na Praia de Copacabana, onde foram colocadas 500 bolas com cruzes vermelhas. Um grupo passou o dia acampado em frente à casa do governador Sérgio Cabral (PMDB).
A Polícia Civil informou que foram presos nove envolvidos na depredação. Eles foram autuados em flagrante por furto, dano ao patrimônio e formação de quadrilha e responderão ainda por corrupção de menores, pois entre os participantes havia cinco com menos de 18 anos. Os nove foram presos enquanto caminhavam pela Avenida Abelardo Bueno, na Barra da Tijuca. Um deles, Aleksandro da Conceição, já tinha mandado de prisão pendente por tráfico de drogas. Ainda na madrugada de sexta-feira, 22 pessoas já haviam sido presas, das quais 12 menores. Na Barra, duas concessionárias foram alvo dos vândalos. Em uma delas foram destruídos 30 carros novos e 15 usados, cada um custando, em média, R$ 40 mil. Ainda foram contabilizados vidros quebrados, computadores, máquinas de xerox, máquinas de café e televisão roubados. Ao todo, o estrago custará R$ 2 milhões ao estabelecimento.
Ainda ontem, a Justiça negou o pedido de prisão de cinco envolvidos na depredação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A Polícia Civil havia feito o pedido com base em imagens em que eles aparecem incitando a violência, quebrando janelas e agredindo policiais.
Desde a noite de sexta-feira, um grupo acampou em frente à residência do governador Sérgio Cabral, no Leblon. Pelo menos 40 pessoas ficaram por lá durante todo o sábado, e disseram que só sairiam quando ele aparecesse para se pronunciar sobre a atuação da Polícia Militar. No fim da tarde, um grupo de 150 motoqueiros se juntou aos manifestantes. Eles bloquearam o trânsito na Avenida Delfim Moreira, mas liberaram uma das faixas após negociação com PM. Um motorista furou o bloqueio da polícia e foi preso.
Na Praia de Copacabana, a ONG Rio da Paz protestou colocando na areia 500 bolas de futebol marcadas com cruzes vermelhas. Elas representavam 500 mil homicídios que, segundo eles, ocorreram no Brasil nos últimos 10 anos. Ao meio-dia, ativistas chutaram as bolas para o alto, para simbolizar os “péssimos serviços públicos oferecidos à população”.