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Estado de Minas

Manifestações que invadem as ruas do país são analisadas por 'velhos' militantes

Ativistas políticos das manifestações de 1968, das Diretas Já e dos caras-pintadas avaliam o movimento atual e seus caminhos


postado em 26/06/2013 00:12 / atualizado em 26/06/2013 08:09

Daniel Camargos

(foto: Evandro Teixeira/Divulgação - Capa do Livro 1968)
(foto: Evandro Teixeira/Divulgação - Capa do Livro 1968)





As manifestações espalhadas por todo o país remetem a outros períodos da história recente brasileira, como o movimento que levou ao impeachment de Fernando Collor, em 1992, o movimento das Diretas Já, em 1984, e as manifestações em 1968, que levaram ao endurecimento da ditadura militar. O Estado de Minas tomou o depoimento de três pessoas que tiveram participação ativa nesses episódios e com a experiência analisam o que ocorre no país.



Década de 1960

Apollo Heringer Lisboa, 70 anos - É coordenador do Projeto Manuelzão e no final da década de 1960 foi líder do Comando de Liberação Nacional (Colina), mesmo grupo em que militou a presidente Dilma (PT).

“Estamos diante de um fenômeno sociológico que pode ser considerado um levante popular. Com características espontâneas. Como se fosse a larva de um vulcão ou um tsunami. É um momento em que os governantes têm medo do povo. É diferente de 1964, quando houve golpe militar, que acabou com a liberdade do país. Fecharam sindicatos, diretórios estudantis e partidos. A ditadura reprimiu um movimento que estava crescendo e ia às ruas. Mudaram a Constituição do país e os próprios militares fizeram as leis.

Quando eles (militares) estavam na ofensiva não havia força para enfrentar. Depois começaram as passeatas e eles (militares) ficaram na defensiva. Mas tudo foi deslizando em um plano inclinado para uma aventura. Os militares endureceram e ao mesmo tempo começou a guerrilha. O que acontece hoje parece muito com o que ocorreu em maio de 1968. Começou com jovens, mas se alastrou e a pauta era geral. Não havia foco específico. Tudo entrava e em maio de 1968 o movimento questionava tudo. Os valores da sociedade, o dinheiro (eu vi um cartaz sábado assim: ‘Queremos o fim do dinheiro’ e todo tipo de manifestação.

Nunca foi tudo certinho. Não havia essa unidade tão grande como imaginam hoje. Esse movimento de contestação que ocorre agora é um verdadeiro levante e não surgiu por causa de passagem de ônibus. É como se alguém estivesse em uma sala cheia de gás sem saber. A pessoa acende um cigarro e explode a sala. O que aconteceu foi um surto espontâneo e explodiu tudo ao mesmo tempo.

Acredito que o movimento atual está completamente vitorioso. O que ele produziu já é suficiente para entrar na história do Brasil. Um movimento assim você não sabe direito para onde vai, porque não há controle, pois é um movimento de massa libertário e não tem condição de prever.

A manifestação é válida, o povo tem razão, a grande maioria dos cartazes fala de coisas verdadeiras, o povo está contra partidos políticos, contra o governo, e com razão. E o governo tem de entender que ele mereceu isso. Os partidos têm que entender que mereceram isso e têm que ficar humildes, pianinho.”

Diretas já

Heloísa Greco, Bizoca, 1 anos
- Ativista da anistia política e militante à época das Diretas Já. Membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania.

“Eu tenho participado das manifestações de hoje e nunca houve no Brasil nada igual. Se pensar que essas manifestações estão se alastrando Brasil adentro e Brasil afora, inclusive no interior, sendo que em um dia mais de 1 milhão de pessoas são mobilizadas, é um negócio muito importante. Eu não estou entrando no mérito se há contradições, distorções e desvios. Falo no todo e o mais importante desse processo é que os trabalhadores e o povo nas ruas significa um resgate da política no sentido da transformação.

Onde vai dar? A gente não sabe. Está acontecendo algo muito importante e bem ou mal essas mobilizações estão resgatando o potencial de utopia do movimento popular.

A comparação com a Diretas Já tem que começar por uma análise das duas conjunturas, que são diferentes. Em 1984 estava em plena ditadura militar ainda, embora tenha sido no final dela. Veio no rescaldo da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. De todo aquele acúmulo da luta contra a ditadura militar e também do movimento sindical da luta dos trabalhadores, que estava em processo de pleno crescimento.

O inimigo era muito claro. Uma luta que nós perdemos e perdemos feio. Foi uma eleição indireta, que elegeu um presidente (Tancredo Neves) da ala mais moderada, de um partido que era moderado, o MDB, e foi pior ainda porque ele morreu e entrou a continuidade em pessoa, que é o José Sarney, que está aí até hoje.
Naquela época não tinha rede social, não tinha internet e a nossa prática de mobilização era diferente. Hoje o pessoal usa o instrumento que tem, que é a internet. Sabemos que o campo das redes sociais é um campo minado. Inclusive, facilita muito para repressão. Eles monitoram de forma ostensiva.

Está pior do que na época da ditadura. O aparato militar da ditadura era gigantesco, monstruoso, tentacular. A doutrina de segurança nacional falava que tinha que eliminar o inimigo e o inimigo éramos nós, opositores, armados ou não.
A repressão que está se abatendo aqui nunca houve nada igual. No último sábado foi um massacre. A Polícia Militar com Gate, tropa de choque, caveirões, bombas de gás lacrimogêneo lançadas de helicóptero e ainda potencializado pelo Exército e Força Nacional de Segurança.”

Fora collor

Pablo Vilaça, 38 anos
- Escritor e crítico de cinema. Foi líder secundarista em Belo Horizonte à época do Fora Collor.

“Participei da manifestação sábado, e do ponto de vista democrático, da manifestação estudantil, da reivindicação de correções e desvios, acho muito bonito. É bonito a juventude indo para a rua com protestos, ideias, enfim, manifestando de maneira política sua cidadania. Mas me incomodou um pouco ver a difusão de ideias e reivindicações. Na mesma manifestação que tinha fora Lacerda, fora Anastasia, fora Dilma, você tinha gente contra a criminalização do aborto, pelo fora Feliciano. E também slogans genéricos, como combate à corrupção. Dessa maneira, fica complicado do ponto de vista da manifestação durar muito tempo e atingir resultados concretos sem que ela tenha um propósito bem definido.

A redução das tarifas em São Paulo funcionou porque no centro tinha o Movimento Passe Livre, que estava concatenando as ideias, reunindo as pessoas e apresentando uma demanda específica e deu  resultado. Se pulverizam as demandas, fica difícil. Na época do Fora Collor não foram só as manifestações. Elas eram um reflexo da insatisfação popular que tornou inviável manter o presidente no poder. Se não houvesse aquelas manifestações, é claro que a história teria sido diferente.

Hoje, por causa da internet, a mobilização é muito fácil. O problema de ser tão rápido assim é que a pessoa vai para a manifestação sem ter tido tempo de pesquisar e refletir porque ela está ali. Quando marcávamos uma manifestação para a semana seguinte o pré-manifestação era feito com reflexões, com debates internos nas escolas, assembleias e tinha um longo debate antes da manifestação em si. Quando a pessoa ia ela já sabia o que falar, sabia a postura a ser adotada.

Hoje não. Você marca para amanhã e o pessoal vai porque virou moda, porque virou balada. Tanto que as pessoas fazem uma coisa que me incomoda profundamente – como ex-líder de manifestação –, que é desobedecer a uma regra básica: não se bebe álcool antes de manifestação. Isso não é uma questão moralista de não poder beber cerveja. É uma questão de bom senso. Se você está alcoolizado, seu bom senso cai. Se você vê uma pessoa fazendo uma besteira, a sua chance de acompanhar é maior.

Tem pessoas que estão ali pela moda, pela balada, e não estão ali pelo protesto, e a internet praticamente provoca isso. Mas quero deixar claro que eu sou a favor do exercício democrático da manifestação. O que me assusta é uma mobilização sem norte. Sem as pessoas saberem por que estão apanhando.”

 


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