O juiz aposentado do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Ceará Sílvio Mota, de 68 anos, teve sua imagem reproduzida nessa sexta-feira em um dos mais influentes jornais do mundo, com tiragem próxima a 900 mil exemplares por dia. Nada mal para quem chegou a viver na clandestinidade durante a ditadura militar. Ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Mariguella, Mota estava nessa sexta-feira na capa do New York Times em foto face a face com policiais militares durante manifestação em Fortaleza, próximo ao Estádio Castelão, onde era disputada a partida entre Espanha e Itália, pelas semifinais da Copa das Confederações. “Lançaram gás lacrimogêneo contra nosso protesto, que era pacífico. Minha mulher passou mal e eu fui tirar satisfação com os soldados”, contou ele.
Eu estava no meio da manifestação. A Polícia Militar não ficou na barreira que criou. Avançou, foi agressiva. Era um ato pacífico com a participação de movimentos sociais, pastorais da Igreja Católica, professores universitários. Não era só a juventude. Decidiram dissolver a passeata. Alguém deu essa ordem absurda e completamente contra a Constituição e os direitos humanos. Eu estava até sentado quando dispararam aqueles artefatos de gás lacrimogêneo. Foi uma coisa tremenda. Minha mulher, que também tem 68 anos, estava lá. Me levantei. Um guarda bravo se aproximou e disse que eu não poderia estar ali. Respondi que podia sim e que estava exercendo meu direito de manifestar. O soldado afirmou que estava me protegendo de pedras.
Eu falei que não, que ninguém estava atirando pedras em mim e que a polícia é que estava jogando gás contra nós. Ele me deu voz de prisão. Disse que ele não poderia me prender porque eu não estava cometendo nenhum crime. Mostrei minha identidade de juiz. Durante a conversa um militante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) se aproximou. O guarda viu. Disse que não me prenderia, mas que levaria o integrante do MST, que saiu correndo. O soldado desistiu da nova prisão e voltei para onde estavam os outros manifestantes.
O que o motivou a ir à manifestação?
Sou coordenador do Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará. Ao avaliarmos os protestos foi deliberado que apoiaríamos a manifestação, e que isso aconteceria com a nossa presença, para que ninguém fosse vítima de violações dos direitos humanos. Apenas cumpri a deliberação.
Quais mudanças as manifestações que ocorrem no Brasil podem provocar no país?
Fui militante da ALN. Recebi indenização por perseguição política. Vivi na clandestinidade. Estive em Cuba cumprindo tarefa da minha organização, fazendo treinamento de guerrilha. Fui exilado em Portugal e na França. O momento é de aprofundar a democracia. Remover esses cacos da ditadura militar, como as polícias militares.