Na tentativa de tirar o mérito por uma eventual reforma política das mãos da presidente Dilma Rousseff, deputados e senadores querem esvaziar o plebiscito proposto pela petista e fazer mudanças paralelamente à iniciativa do Planalto. A mensagem da presidente com sugestões de temas para um plebiscito sobre o assunto foi entregue ontem ao Congresso pelo vice-presidente Michel Temer e pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ao mesmo tempo, líderes partidários já articulavam a formação de um grupo para selecionar projetos sobre o sistema político que tenham consenso para votação.
A articulação paralela ganhou força depois que a Justiça Eleitoral fixou o prazo de 70 dias como o mínimo necessário para que o plebiscito seja feito, a partir da data em que o Congresso promulgar o decreto legislativo. A decisão tomada ontem durante reunião, em Brasília, entre a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, e os presidentes dos 27 tribunais regionais eleitorais (TREs), praticamente impede que as mudanças entrem em vigor para as eleições de 2014, como quer o Planalto. De acordo com a Constituição, só valem para um determinado pleito regras aprovadas com pelo menos um ano de antecedência.
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), admitiu que a ideia do plebiscito com efeitos válidos já para 2014, como quer o Planalto, não tem viabilidade nem encontra consenso na Casa. Para “não correr o risco de se perder a oportunidade de votar a reforma política”, Alves anunciou que criará um grupo de trabalho na próxima semana para elaborar um texto com os principais itens da reforma. O projeto primeiro tramitaria no Congresso para depois passar por consulta popular por meio de um referendo. “Vamos tentar como primeira opção o plebiscito, mas ele só se viabilizaria se houvesse consenso, então estou criando uma alternativa. Pelo prazo de 70 dias (dado pelo TSE) fica muito apertado, por ser uma pauta extensa, tecnicamente complicada”, comentou.
A pouco mais de um ano das eleições, a saída de Henrique encontra respaldo em diversos partidos, inclusive da base, que não querem perder os louros de uma possível reforma política. A bancada do PMDB apressou-se em divulgar uma nota destacando ser a favor da consulta popular, desde que seja realizada “concomitantemente com as eleições de 2014”, e adiantando que sugerirá temas como o parlamentarismo, a reeleição aos cargos majoritários e o tempo de mandato, que não estavam presentes na mensagem de Dilma.
A presidente destacou cinco pontos em sua mensagem (veja quadro). Deixou de fora temas polêmicos, como o fim da reeleição. O Planalto sugeriu que fossem discutidos no plebiscito o sistema de votação para o Legislativo (proporcional com lista fechada ou aberta, distrital ou majoritário), o formato do financiamento das campanhas eleitorais (público, privado ou misto), votações secretas no Parlamento, o modo de definição dos suplentes de senadores e a permissão de coligações partidárias na disputa para câmaras municipais, assembleias e Câmara dos Deputados.
Loucura
Para o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Carlos Velloso, o plebiscito representará um gasto desnecessário de cerca de R$ 400 milhões aos cofres públicos, já que boa parte da reforma poderia ser feita exclusivamente por meio de projeto de lei ou emenda à Constituição. Na avaliação do ex-ministro, a correria para a realização da consulta popular é “insensata” e ela dificilmente poderia ser feita com um prazo inferior a seis meses. “Não dá tempo e acho uma loucura”, disse.
Os pontos apresentados pelo governo também foram criticados por Carlos Velloso, que sentiu falta, por exemplo, de uma pergunta sobre a possibilidade de reeleição – criada por meio de uma emenda constitucional aprovada em 1997. Por outro lado, classificou de “inadequada” a discussão sobre o sistema de voto para o Legislativo. “É uma questão muito técnica. Muitos homens formados não sabem o que é voto distrital misto, o que é uma cláusula de desempenho”, exemplificou.
O professor e doutor em ciências jurídicas políticas pela Universidade de Coimbra Rodolfo Viana Pereira também avalia que o tempo é curto. Mas acredita que o plebiscito possa, sim, discutir regras mais estruturais, como os sistemas de financiamento de campanhas e votação para o Legislativo. “Não é possível fazer de modo açodado. Como envolve temas mais complexos, exige um tempo que não é de dois ou três meses. Acho pouco provável que os órgãos envolvidos consigam fazer um debate amadurecido com a sociedade e tomar a decisão antes de outubro”, avaliou. Para ele, temas mais urgentes, e sobre os quais há consenso, poderiam ser votados sem necessidade da consulta popular e já teriam um impacto positivo, valendo para 2014.
Saiba mais
Plebiscito
É a convocação dos eleitores para aprovar ou rejeitar questões que nortearão a discussão de uma lei. O plebiscito é convocado por meio de um decreto legislativo da Câmara dos Deputados ou do Senado, com proposta que deve ser assinada por no mínimo um terço dos deputados (171) ou dos senadores (27). A medida deve ser aprovada em cada uma das Casas por maioria absoluta (metade mais um de todos os parlamentares). Na Câmara, são necessários 257 votos. No Senado, 41. Depois da votação, o resultado é homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O processo ocorre como numa campanha eleitoral, com tempo de rádio e TV e possibilidade de distribuição de panfletos.