Depois de a Câmara criar um grupo de trabalho para esvaziar o plebiscito sugerido pelo Palácio do Planalto, ontem foi a vez de o Senado atropelar o Executivo e antecipar-se à proposta de consulta popular apresentada pela presidente Dilma Rousseff. De manhã, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), os senadores aprovaram por unanimidade o fim do voto secreto em todas as instâncias previstas constitucionalmente, um dos temas listados pela presidente para a consulta popular. À noite, o plenário aprovou requerimento de urgência defendido pelo relator da matéria, Sérgio Souza (PMDB-PR), para acelerar a tramitação e ignorar os prazos necessários para análise de propostas de emenda à Constituição (PECs). Com isso, a PEC 20, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), pode ser analisada ainda hoje na Casa e já seguir para a Câmara dos Deputados. O Congresso pretende fatiar a votação dos temas sugeridos pela presidente, sem a realização do plebiscito. O Planalto acompanha a agenda positiva do Parlamento atentamente.
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Comissão da Assembleia de Minas aprova o fim do voto secreto na CasaFim do voto secreto deve ser aprovado na Câmara antes do recesso parlamentarCCJ suspende sessão para evitar retirada de projetoCongresso vota projeto para incluir autoridades na malha fina da Receita FederalSenado aprova resolução para que cidadão possa opinar sobre projetos em tramitação na CasaBraga defende que votação de vetos seja secretaO sentimento geral entre os integrantes da CCJ é de que não há necessidade de esperar a realização de um plebiscito para tratar do assunto. “Se tem um tema que ninguém tem dúvida de qual é a posição da população é o fim do voto secreto. Se temos propostas aqui, temos de votá-las. Plebiscito seria perda de tempo e de dinheiro”, criticou o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). “Com todo o respeito à presidente da República, (voto aberto) é perfumaria para colocar no plebiscito. O plebiscito tem que ser para outros temas. Nós é que devemos debater esse tema aqui”, defendeu o senador Pedro Taques (PDT-MT).
Nos corredores, entretanto, parlamentares admitem que consideraram a inserção do voto secreto na mensagem enviada ao Congresso como uma provocação a deputados e senadores. Assim, Dilma conseguiu jogar parte da crise para o colo do Parlamento para desviar a atenção do Executivo. Um senador da base acredita que essa foi uma maneira da presidente de pressionar o Congresso para fazer andar uma proposta engavetada. Outro integrante da base avalia que, assim como muitos parlamentares, Dilma está perdida e só quis trazer à baila um assunto que já estava na boca do povo.
Independentemente da motivação da presidente, porém, os senadores correram para se antecipar e colocaram em pauta o assunto antes de ele ser debatido no plebiscito. O Parlamento tenta, dessa forma, dar uma resposta às ruas sem parecer que foi necessário o governo interferir para eles agirem. O Palácio do Planalto, que tem acompanhado atentamente a agenda positiva do Congresso, não encarou como afronta a resposta dos parlamentares. Mesmo que os senadores tenham se antecipado, Dilma continua sendo a responsável pela sugestão.
Com a PEC aprovada ontem, a CCJ do Senado conseguiu atropelar também a Câmara, que, em 26 de junho, aprovou outra proposta sobre o assunto na comissão homônima dos deputados. Mais restrita que a de Paim, a proposta do senador Alvaro Dias (PSDB-PR) prevê o fim do voto secreto somente para a cassação de mandato. A aprovação do texto de Dias no ano passado foi responsável pelo arquivamento de outra proposta de Paim, idêndica à aprovada ontem, por ter sido considerada prejudicada. A PEC 20 foi reapresentada em 16 de abril. O texto de Dias aguarda tramitação em comissão especial na Câmara.
Memória
Falta de consenso
O fim do voto secreto é um tema que tramita há tempos no Congresso, mas, como a reforma política, nunca encontrou consenso. A votação sigilosa é prevista pela Constituição de 1988 para preservar os parlamentares de influências externas ao voto. Na prática, permite também que deputados e senadores não sofram pressão da sociedade civil. O momento em que o Congresso esteve mais próximo de extinguir o voto secreto ocorreu após os escândalos envolvendo o senador cassado Demóstenes Torres, alvo da CPI do Cachoeira. Para dar uma resposta à sociedade, a PEC 86/2007, do senador Alvaro Dias (PSDB-PR), foi desengavetada e aprovada. O texto previa o fim do voto secreto somente para cassação de mandato e só foi aprovado na CCJ da Câmara no fim do mês passado. A PEC 20, votada ontem pela CCJ do Senado, tem o mesmo teor de matéria arquivada no ano passado.