O Congresso iniciou a limpeza da pauta de vetos presidenciais como mais uma reação à interferência do Palácio do Planalto no Poder Legislativo. Nessa quarta-feira, 1.478 vetos foram declarados prejudicados pelos deputados e senadores por já terem perdido o efeito prático. O poder explosivo está em parte dos cerca de 1,6 mil vetos que ainda serão analisados, que têm repercussão nos gastos da União e alteram decisões de políticas públicas do governo.
A luz de alerta no Planalto está acesa especialmente em relação à MP dos Portos, ao Código Florestal, ao fim do fator previdenciário, à Emenda 29 – que fixa os gastos mínimos da União, dos estados e dos municípios com a saúde pública – e a 101 trechos de projetos de lei vetados sobre os servidores públicos, que têm repercussão direta nos planos de carreira e nas tabelas remuneratórias.
A mobilização do Congresso para tirar os vetos da gaveta é um recado ao governo. Nos últimos anos, deputados e senadores costumavam ignorar as canetadas presidenciais, o que, na prática, mantinha todas as decisões dos presidentes da República. Agora, o discurso é de acelerar as votações dos vetos, ameaçando os direcionamentos do Planalto. “A apreciação de vetos é a última etapa do processo legislativo. Quando isso não acontece, o processo não se completa. É importante que ele se complete porque aí você robustece o Legislativo”, disse o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Além de votar os vetos atrasados – alguns aguardam análise há mais de 10 anos –, líderes partidários da oposição e da base, em reunião antes da sessão do Congresso de ontem, cobraram de Renan a votação de uma resolução já aprovada na Câmara que altera o rito de tramitação desses atos. De acordo com o texto, os vetos travam a pauta do Congresso 30 dias após serem recebidos. Atualmente, eles trancam as votações na Casa 30 dias após serem lidos no plenário, o que não ocorre sistematicamente.
“Enquanto o Senado não aprovar as regras de votação, estamos propondo à oposição que não votemos nada no Congresso”, disse o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR). Ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Advocacia-Geral da União (AGU) alegou que a derrubada de vetos antigos causaria um prejuízo de R$ 470 bilhões aos cofres públicos.
Para o líder do DEM no Senado, Agripino Maia (RN), a análise de vetos vai alterar a dinâmica do Congresso. “Muda substancialmente o respeito do Executivo pelo Legislativo. Vai acabar com esse negócio de acordo para votar sem o compromisso da sanção da presidente. Afinal, o veto poderá ser derrubado”, avalia.
O líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), discorda: “Não muda praticamente nada (na relação entre Planalto e Congresso). O que vai fazer é estabelecer um rito que vai ser importante para o Congresso. Não se trata de melhorar ou piorar”. Ele diz que a base se unirá para não votar temas que provoquem desequilíbrio nas contas públicas, como o fim do fator previdenciário.
“Cura gay”
Menos de 24 horas depois de arquivado pelo plenário da Câmara, o projeto que autoriza psicólogos a promoverem a cura da homossexualidade foi reapresentado nessa quarta-feira. Apelidado de “cura gay”, o texto foi contestado por manifestantes que saíram às ruas em todo o país. Insatisfeito com a forma com que o projeto tramitou e baseado na ressalva de que a proposta pode ser novamente apreciada pelo plenário, o deputado Anderson Ferreira (PR-PE) reapresentou o texto no início da tarde de ontem. O regimento interno da Câmara prevê que propostas retiradas, como foi o caso “cura gay”, não podem ser apresentadas na mesma sessão legislativa, ou seja, este ano, salvo deliberação do plenário.