As medidas anunciadas ontem pelo governo federal dentro do pacto pela saúde dividiram opiniões. Para médicos, as ações são inóquas e não resolverão os problemas do setor – especialmente dos usuários de atendimento público. Já para prefeitos, elas podem ser uma luz no fim do túnel de caixas já estourados e sem recursos para investir em hospital e contratação de médicos. As medidas foram, em grande parte, elaboradas em virtude da forte pressão dos prefeitos em relação ao financiamento da assistência médica nos municípios e às dificuldades de atrair profissionais para regiões distantes das capitais.
O presidente da Associação Médica de Minas Gerais (AMMG), Lincoln Lopes Ferreira, cobra do Palácio do Planalto mais investimentos em estrutura e gestão adequada do setor – problemas que, se resolvidos, incentivarão médicos brasileiros ao trabalho, sem a necessidade de contratar estrangeiros. “Os médicos brasileiros estão recusando emprego porque as condições de trabalho são ruins, não têm nem para onde destinar os pacientes. O programa não vai resolver o problema da saúde”, avaliou o presidente da AMMG.
Na avaliação do presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), João Batista Gomes Soares, o governo está “perdido”. “Estão dizendo que todas as mazelas é por falta de médico, que o salário é baixo. Mas fala-se meia verdade. Os médicos estão mais preocupados com as condições de trabalho, com a segurança. Por exemplo, o que fazer com um paciente do interior que esteja em estado grave?”, reclamou Soares. O Brasil forma atualmente 2.750 médicos a cada ano, número inferior apenas ao da Índia, país que lidera a lista de faculdades de medicina.
Para o cardiologista, clínico e professor da Faculdade de Ciências Médicas Luiz Rogério Gomes Aranha, o programa anunciado ontem pela presidente Dilma Rousseff não vai dar certo. Segundo ele, o problema do Brasil não é falta de médicos e sim de condições para que os profissionais exerçam a profissão na rede pública de saúde. “O médico existe. O que não existe são recursos para que a pessoa possa trabalhar. Vejo isso de perto, pois sou médico e professor de medicina. Aqui, na periferia de BH, tem posto de saúde que não tem aparelho de pressão. Imagine no interior”, afirma. Aranha, no entanto, avalia como positiva a obrigatoriedade de um estágio de dois anos dos estudantes no SUS. Ressalva, porém, que essa norma tem de valer apenas para estudantes das faculdades públicas, como uma forma de pagamento pelo curso.
Reestruturação
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, afirmou ontem que o programa de contratação de mais médicos com o custo arcado pela União vai ao encontro de reivindicações das prefeituras. O Ministério da Saúde ficará responsável pelo pagamento do salário de R$ 10 mil mensais para os médicos do programa. Ziulkoski ressaltou, no entanto, que ainda precisa ser mais discutida a questão da reestruturação dos hospitais e postos de saúde. “Os municípios não têm como arcar com mais esse custo”, justificou.
A CNM defende ainda que o governo não sancione o polêmico projeto de lei apelidado de Ato Médico. A proposta, que tramitou por mais de 10 anos no Congresso, define atos que seriam privativos de médicos, abrindo brechas para restringir por exemplo as ações de acupuntura, realização de parto normal e identificação de sintomas de doenças corriqueiras. De acordo com Ziulkoski, seria necessária a contratação de mais 63 mil médicos no país, o que as prefeituras não teriam como cumprir. (Colaborou Alessandra Mello)