Atordoado diante de uma rebelião em curso no Congresso Nacional e com um racha na base aliada que começou com o PMDB e contaminou partidos menores, o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) viu a zona de turbulência ser ampliada ontem após manifestações por todo o país comandadas por centrais sindicais. O PT, que prometeu ir às ruas em grande número na semana passada, apareceu de forma tímida. O país viveu mais um dia de caos. O preço, novamente, foi debitado na conta da presidente. Rodovias interditadas em 10 estados, portos bloqueados, falta de ônibus nas ruas e ameaça de greve geral. Em várias cidades, o comércio fechou as portas por temer atos de violência.
Longe das ruas, no Congresso, um dia depois de o governo manobrar e impedir a votação do projeto que destina royalties do petróleo às áreas de educação e saúde para não ser derrotado, o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), tentou um freio de arrumação. Chegou a reconhecer que a “viola estava desafinada” e que “algumas cordas quebraram”. Um dia antes, o parlamentar complicou ainda mais o meio-campo ao cobrar fidelidade dos partidos da base durante as votações e, sem cerimônia, escancarou a prática do toma lá, dá cá. “Quero discutir quem é da base e quem não é. Quero discutir quem tem cargo no governo e quem não tem cargo no governo”, discursou.
Na tarde de ontem, Guimarães insistiu no tema e expôs ainda mais a crise, acentuada durante o processo de votação do projeto dos royalties do petróleo no dia anterior. “Nós temos que nos entender. A base tem que se entender. Quando falei que a viola estava desafinada, é porque estava mesmo. E, agora, algumas cordas quebraram. Temos que trocar as cordas, recompor com outras, para ver se a gente acerta o passo”, afirmou.
Ele não conseguiu abafar a crise na relação entre Dilma, que viajou ontem à noite para o Uruguai, e o Congresso. O líder do PDT na Câmara, André Figueiredo (CE), engrossou o caldo de independência em relação ao governo federal. “Creio que o deputado José Guimarães estava com os nervos aflorados. Nós ocupamos um ministério, mas votamos de acordo com as nossas bandeiras. O governo sabe disso. A relação estremecida entre o Planalto e o Congresso é resultado de um processo de afastamento e pouca capacidade política de diálogo. Vários parlamentares que votaram contra a gente ontem (quarta-feira), a exemplo de deputados do próprio PT e PCdoB, estavam constrangidos”, afirmou.
Os líderes partidários da base aliada passaram o dia em reuniões avaliando o que ocorreu na votação dos royalties do petróleo. Em conversas reservadas, muitos deles avaliaram que, além da falta de diálogo e dos cortes nas emendas, o Congresso ainda não engoliu a tentativa do governo federal de jogar as reivindicações das ruas no colo do Parlamento.
No Palácio do Planalto, o vice-presidente Michel Temer continuou a receber mais uma romaria de peemedebistas insatisfeitos com a presidente Dilma Rousseff, principalmente pela sinalização de corte nas emendas que será anunciado oficialmente na próxima semana pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. A relação está tão desgastada que outro grupo de parlamentares, que se reuniu com o vice-presidente na quarta-feira, respondeu um formulário para apontar que rumo o partido deve tomar. Um dos pontos questionava os peemedebistas se eles são a favor ou contra a manutenção da aliança com o PT.
Novo embate
Em agosto, a relação entre o Congresso e o Planalto deve ficar ainda mais tensa. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, promete colocar em votação o orçamento impositivo, projeto que desagrada ao governo e foi das principais bandeiras de campanha do deputado. Diante da ameaça de rebelião, na quarta-feira, o governo conseguiu desarmar, pelo menos temporariamente, uma pauta explosiva, que parte da base aliada ameaçava detonar em reação à sinalização de cortes nas emendas, ao engavetar a apreciação de mais de 1,7 mil vetos presidenciais acumulados no Congresso há mais de uma década. O Planalto temia a revisão do chamado fator previdenciário e de um crédito tributário que poderia custar até R$ 280 bilhões ao governo federal. (Colaborou Adriana Caitano).