Jornal Estado de Minas

Deputados deixam de lado as reivindicações que chegam pelos meios tradicionais

Cobranças e sugestões populares enviadas à Câmara dos Deputados este ano via canais de comunicação da Casa ficaram às margens das votações em resposta às exigências das ruas

Adriana Caitano
Além dos cartazes expostos em protestos pelas ruas, a população utilizou os canais de comunicação com a Câmara dos Deputados como uma forma mais direta de cobrar dos parlamentares uma atitude sobre suas reivindicações. Ainda assim não foi ouvida. Dados a que o Estado de Minas teve acesso revelam que a demanda espontânea dos eleitores enviada à Casa sobre o assunto reforma política, por exemplo, foi nitidamente maior a partir de junho. Mas nenhum dos 10 pontos mais pedidos pelos eleitores avançou ou foi totalmente votado pelos deputados no chamado “esforço coletivo” para responder às manifestações.

O primeiro ponto a se destacar no levantamento é que a votação da reforma política, trazida à tona pela presidente Dilma Rousseff como principal resposta ao clamor popular, só foi alvo de comentários de eleitores após a iniciativa presidencial. De todas as manifestações feitas sobre o assunto neste ano, 81% surgiram entre 1º e 5 de julho. E entre as mensagens surgidas a respeito do tema, poucas já foram contempladas pelas discussões feitas pelo governo e pelos parlamentares (veja quadro).
Os dados demonstram a opinião da população sobre a reforma e o modo como ela será feita e apontam os itens considerados prioritários pelos eleitores. No topo do ranking das demandas está a aprovação do fim do voto secreto no Congresso Nacional. O tema estava contemplado na mensagem enviada pela presidente Dilma Rousseff aos parlamentares em 2 de julho, mas já tramitava na Câmara e no Senado desde 2001. Depois do recado presidencial, os deputados aprovaram uma versão mais tímida da ideia na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), abrindo o voto apenas para processos de cassação. No colegiado homônimo da Casa ao lado, os senadores aprovaram outro texto acabando com o segredo em todo tipo de votação. Ambas as propostas ainda precisam ir para plenário, mas até agora não houve acordo para finalizar o assunto.

Na lista de demandas populares recebidas pela Câmara predomina o interesse da população em reduzir benefícios e custos dos deputados e senadores. Os eleitores pediram ainda o fim da imunidade parlamentar, que torna os membros do Congresso invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras ou votos e livres de serem presos — a não ser em flagrante ou após condenação transitada em julgado.

Houve também pedidos para que a corrupção se torne um crime hediondo e que o foro privilegiado seja extinto. Ambas as propostas ganharam fôlego no Parlamento nos últimos dias, mas podem não ter um desfecho neste semestre.

O diretor da organização não governamental Contas Abertas, Gil Castelo Branco, critica o distanciamento entre os congressistas e os eleitores. “Parece uma conversa na torre de Babel, cada um fala uma língua”, comenta. “As demandas das ruas continuam no ar, à espera de um retorno e, se continuar essas respostas pífias para os enormes pedidos da sociedade, muito provavelmente as manifestações vão voltar em maior volume.” O líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), admite que o Parlamento não está ainda totalmente em sintonia com a população. “Uma grande parte do que se vota favorece grandes empresas e deixa de lado a sociedade em geral”, argumenta. “O Congresso está muito desgastado com a sociedade, precisa se relegitimar com demandas que atendam as principais questões. O voto secreto não ter sido votado ainda, por exemplo, é estar surdo à voz das ruas”.

CONTATOS
O levantamento feito pela Coordenação de Participação Popular da Câmara foi baseado em demandas que chegam espontaneamente à Casa pelo site www.camara.leg.br e pelo telefone 0800-619-619. De janeiro a 5 de julho foram feitos 32.770 pedidos sobre propostas que devem ser analisadas, alguns direcionados para parlamentares, outros citando especificamente um projeto ou um assunto.