Os integrantes de diretórios dos partidos brasileiros nunca tiveram tanto trabalho. Acostumadas a reuniões para discutir alianças em eleições ou estratégias para atrair filiados, as legendas têm um novo desafio. Acuados pelos protestos que tomaram conta do país desde o mês passado – que tiveram governos e políticos como alvo –, os partidos assumem o puxão de orelhas e anunciam que trabalham para mudar.
Legendas de esquerda e direita, passando pelas de centro, afirmam estar tentando de alguma maneira fazer o dever de casa passado pelas ruas. No PPS, a lição é que o velho “rouba mas faz” foi definitivamente abolido com a ida da população para as ruas. “A sociedade deixou claro que não admite corrupção”, avalia o presidente nacional do partido, deputado federal Roberto Freire (SP).
Com o filão aberto, o parlamentar, um dos mais ferrenhos opositores do governo Dilma Rousseff (PT), aproveitou a leitura que fez das manifestações para tentar criar uma pauta no Congresso Nacional. “Vamos assinar todas as comissões parlamentares de inquérito que aparecerem”, anuncia. Freire afirma que o partido está atento também às novas ferramentas de comunicação que surgiram pela internet. “É preciso ter maior vinculação com a sociedade e ver o que a população quer”, argumenta.
A lição no PDT foi de adotar postura mais humilde, segundo o integrante da executiva nacional do partido e deputado federal Mário Henriger (MG). “Nós nos reunimos, batemos boca e acertamos que não dá para ser dono da verdade”, conta o parlamentar. Depois do balanço, o desafio do PDT passou a ser a definição de uma pauta que contemplasse o que foi reivindicado nas ruas e não fugisse ao que sempre foi defendido pela legenda. “Nossa ideologia é o trabalhismo. É com esse mote que vamos para as ruas pedir votos nas próximas eleições”, pontua. Entre os itens a serem defendidos está a redução da jornada semanal de 44 para 40 horas.
Para o parlamentar, apesar de todos os cartazes vistos nas ruas cobrando mais qualidade na saúde, educação e transporte público, o que levou os manifestantes a saírem de casa foi a insatisfação com os políticos. “Chegamos à conclusão de que temos que parar de criar paliativos e buscar soluções definitivas (para as demandas da população)”, diz Heringer.
Segundo o presidente do PT de Minas Gerais, deputado federal Reginaldo Lopes, as manifestações vão obrigar o partido a “se reinventar”. O parlamentar acredita que os protestos encerraram um ciclo na legenda. “Precisamos passar da fase da comparação com o PSDB. A população já sabe que fizemos melhor. Agora é melhorar a essência das políticas urbanas. Nós eliminamos a miséria. O próximo passo é acabar com a desigualdade social”, projeta ele.
O presidente do PT de Minas Gerais, que ao lado de dirigentes da legenda de outros estados se reuniu com o comando nacional da sigla para analisar as manifestações, rejeita a leitura de que a população foi às ruas para protestar contra os partidos. “O pedido foi por uma melhor representação, e não por substituição do modelo político”, acredita o parlamentar.
Crise verde
No PV, as manifestações levaram a Executiva da legenda a se reunir durante três dias no início do mês em Goiás. O balanço não foi bom. “Há um conflito grande no partido. Ao mesmo tempo em que temos parlamentares que defendem o aborto, parte da legenda tem posicionamento semelhante ao do Feliciano” (o deputado federal Pastor Marcos Feliciano), conta um integrante da Executiva Nacional do PV que participou da reunião.
O representante do partido acredita que os colegas pró-Feliciano afastam a legenda das teses centrais da sigla. “Ao mesmo tempo, quem destoa faz parte de um grupo grande, do qual é difícil abrir mão, por questões financeiras e de representação”, contrapõe. De acordo com a legislação, os recursos do Fundo Partidário e o tempo de televisão são proporcionais à bancada das legendas na Câmara dos Deputados.
O susto dado pelas ruas fez com que o PSDB mudasse sua relação com as redes sociais. “Vínhamos tentando aumentar o contato com a população, mas de uma forma mais amadora. Agora passou a ser uma rotina de vida pública, e com profissionalismo”, relata o vice-presidente do PSDB de Minas Gerais e integrante do diretório nacional da legenda, deputado federal Domingos Sávio. O parlamentar afirma que equipes especializadas no setor estão em fase de contratação pelo partido.
Domingos Sávio diz ainda que a rede interna – uma espécie de chat restrito –, usada exclusivamente pelos parlamentares da legenda para troca de informações, vem sendo mais procurada. “Antes das manifestações não mais que 15 congressistas usavam o sistema. Hoje praticamente todos acessam o chat”, afirma o deputado. “Todos passaram a compreender que não é um luxo ou um artigo da moda, mas um produto necessário”, acrescenta.
O presidente nacional do DEM, senador José Agripino (RN), avalia que as manifestações das ruas devem ser traduzidas no Congresso Nacional em determinação de retomar “questões que realmente interessam para o futuro do país. “É hora de discutir o Orçamento. Cabe ao Senado fazer isso. Precisamos também reduzir a carga tributária. Nosso partido está preocupado com tudo isso”, afirma.
Memória
Da rede para as ruas
As manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas das principais cidades brasileiras tiveram início com protestos contra o preço elevado das passagens de ônibus. Elas foram programadas nas redes sociais, principalmente por meio do Facebook, e passaram a incorporar outras demandas, como a reforma política e mais recursos para a saúde e a educação. Pressionados, prefeitos de diversas cidades, entre elas Belo Horizonte, reduziram o preço das tarifas do transporte coletivo. Ainda assim os protestos continuaram principalmente durante os jogos da Copa das Confederações e ainda ocorrem em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, em que houve quebradeira na madrugada de quinta-feira.