Jornal Estado de Minas

Morosidade da Justiça dificulta repatriar recursos públicos desviados para o exterior

Em uma década de esforços para repatriar recursos desviados ilegalmente, menos de 1% voltou efetivamente para os cofres públicos. Especialistas criticam a morosidade da Justiça e a falta de acordos internacionais

Correio Braziliense
Ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, preso por desvio de verbas da obra do TRT-SP: só R$ 10 milhões foram recuperados - Foto: Sebastião Moreira/AE - 24/01/01
A morosidade da Justiça brasileira e a dificuldade em selar acordos internacionais são apontados como principais entraves à identificação e à recuperação do dinheiro público desviado para outros países em casos de corrupção. O diagnóstico foi feito por autoridades que participaram, nessa quinta-feira, da comemoração pelos 10 anos da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla). Por causa das dificuldades apontadas, o Brasil levou pelo menos uma década para reaver uma pequena parte dos recursos enviados para contas no exterior por esquemas de corrupção. Desde 2008, quando o primeiro caso foi concluído, apenas R$ 40 milhões foram repatriados e R$ 300 milhões estão bloqueados à espera de decisão judicial. De acordo com o Ministério da Justiça, há cerca de R$ 11 bilhões sob suspeita de terem sido desviados dos cofres públicos para contas em bancos estrangeiros e brasileiros, mas o governo ainda aguarda o resultado das investigações.
Quando é detectado um caso de corrupção em que há envio de recursos para outros países, é aberto um processo na Justiça brasileira e, outro, no local para onde seguiu a remessa ilícita. O governo do Brasil costuma contratar escritórios de advocacia do país no qual a verba foi depositada para acionar a Justiça local. Esses processos são facilitados quando há acordos bilaterais específicos de combate à lavagem de dinheiro e à corrupção.

Mas a verba só é devolvida depois que os processos transitam em julgado nos dois países, ou seja, quando não cabem mais recurso. “O que ocorre é que os países mais conhecidos como paraísos fiscais normalmente se recusam a fazer acordos bilaterais para permitir a troca de informações sobre esses crimes”, explica o secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão. Os principais destinos do dinheiro sujo, segundo ele, são bancos da Suíça, dos Estados Unidos, das Ilhas Jersey (no Reino Unido) e de países da América Central e do Caribe.

A Enccla foi criada para agregar atividades de órgãos governamentais no combate à corrupção, mas o Brasil só começou a reaver parte do dinheiro transferido ilicitamente para paraísos fiscais em 2008. Em alguns dos principais casos investigados, o valor devolvido não chega a 1% do total desviado.

É o que ocorreu com o escândalo da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP). O esquema que superfaturou a obra, no início dos anos 1990, foi revelado em 1999. O total do desvio chegou a R$ 1 bilhão, em valores atualizados. O ex-senador Luiz Estevão, foi condenado pela Justiça a devolver R$ 500 milhões aos cofres públicos, mas apenas R$ 10,7 milhões dos R$ 15 milhões que estavam depositados em bancos da Suíça na conta pessoal do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto foram repatriados ao Brasil.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, que participou de atividades da Enccla, destacou que o volume recuperado é muito pequeno diante do que foi roubado. “Há estudos apontando que há, no exterior, de forma ilícita, um número infinitamente maior do que o que se consegue bloquear, mas, para trazer os bens de volta, há uma tramitação complicada, e o próprio Brasil é muito liberal com recursos judiciais, que atrasam o resultado”, aponta. “O que faz com que continue acontecendo corrupção é a certeza da impunidade. A devolução do dinheiro precisa deixar de ser notícia, porque o caminho natural do bem que foi tirado do país é que seja repatriado de imediato”, complementa.

Para o juiz Marlon Reis, um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), autor do projeto que originou a Lei da Ficha Limpa, o valor já repatriado pelo Brasil é “insignificante” perto do que é desviado. “A recuperação dos ativos tem que ser vista com prioridade maior, e essas constatações devem levar a ações concretas do poder público, aprimorando a legislação interna e avançando no diálogo com os demais países”, comenta.

De acordo com normas internacionais, o dinheiro ilícito repatriado para o país onde ocorreu o crime deve ser dividido entre as nações envolvidas na investigação, e 5% do total é repassado ao Fundo das Nações Unidas para Prevenção ao Crime e Justiça Criminal. No entanto, por acordo, os R$ 40 milhões já devolvidos para o Brasil por países que abrigavam o dinheiro sujo foram encaminhados para o Tesouro Nacional. A maior parte dos recursos é utilizada, segundo o governo, para investir no combate à corrupção.

“O que faz com que a corrupção continue acontecendo é a certeza da impunidade. O caminho natural do bem que foi tirado do país é que seja repatriado de imediato”
Gilson Dipp, ministro do STJ

R$ 11 bilhões
Estimativa do dinheiro desviado ilegalmente para o exterior

R$ 300 milhões
Valor comprovadamente desviado, já bloqueado por ordem judicial

R$ 40 milhões
Total repatriado pelo governo brasileiro