Jornal Estado de Minas

Programa de milhas aéreas pode reduzir pela metade gastos públicos com viagens

Dinheiro gasto pelo poder público para custear passagens aéreas de servidores seria suficiente para adquirir o dobro de bilhetes em programa de milhagens

Alice Maciel, Isabella Souto e Juliana Cipriani
- Foto: Sem o direito de reverter para si as milhas referentes a passagens aéreas pagas para servidores em viagem a trabalho, o poder público perde a oportunidade de economizar um bom dinheiro a cada ano. Entre janeiro de 2012 e junho deste ano, Minas Gerais – incluindo os três poderes, além do Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas – gastou R$ 41.648.258,23 com a emissão de mais de 75 mil bilhetes aéreos, segundo planilha obtida pelo Estado de Minas. Com o dinheiro consumido com as passagens, o estado compraria, no mercado de milhagens, mais que o dobro de voos.
Os benefícios variam de acordo com a companhia, o preço pago pela passagem e o trecho voado. Dessa forma, a reportagem fez uma simulação partindo dos valores cobrados no mercado negro de venda de milhagens. Dentro dessa lógica, o dinheiro gasto pelo estado nos últimos 18 meses seria suficiente para obter, por exemplo, 180 mil passagens de Belo Horizonte para São Paulo, compradas com uma semana de antecedência. Na cotação de sexta-feira, 10 mil milhas da TAM – suficientes para um trecho no Brasil – valiam no mercado negro R$ 230. Se fossem da Gol, cujas milhagens eram cotadas a R$ 200, a verba gasta por Minas compraria 207 mil passagens para a capital paulista. Como não há lei que converta as milhas para pessoa jurídica – seja o poder público ou empresas privadas –, o benefício é revertido para o funcionário que fez a viagem.

Em nota, o governo de Minas informou que acompanha as discussões em Brasília e em outros estados sobre a possibilidade de retorno para a administração pública das milhas adquiridas em viagens de trabalho. “O assunto será regulamentado em âmbito estadual, assim que a legislação federal for votada e sancionada, definindo inclusive como será a relação dos governos com as companhias aéreas que destinam seus programas de milhas para pessoas físicas e não jurídicas”, registrou.

Chegou a tramitar na Assembleia Legislativa de Minas, em 2007, um projeto de lei revertendo as milhas para o órgão que pagou a passagem. Mas a matéria foi arquivada na troca de legislatura, e de lá não saiu. De autoria do então deputado Délio Malheiros (PV) – hoje vice-prefeito de Belo Horizonte –, o texto trazia a justificativa de que se a passagem foi comprada com dinheiro público, o benefício tem que ser revertido também ao erário. No entanto, o projeto nunca mais saiu da gaveta por uma questão operacional das companhias aéreas.

“As operadores alegaram na ocasião que não tinham como transferir as milhas para a administração pública porque nem sequer há um mecanismo para colocá-las para pessoa jurídica”, explicou o advogado Fernando Fornale, ex-assessor jurídico de Délio Malheiros na Assembleia. De acordo com ele, a lei até poderia ser aprovada, mas não há como forçar as empresas a criarem um sistema nesse sentido. “Só a União pode legislar em caso de aviação civil”, completou.

Ideal Nesse caso, a tarefa caberia à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável por regular o setor, e que chegou a ser procurada pela assessoria de Délio Malheiros durante a tramitação do projeto de lei. Procurada pela reportagem, a Anac contestou a informação. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, os programas de milhagem não estão entre as atividades a serem reguladas, pois tratam-se de serviços opcionais oferecidos pelas empresas, não fazendo parte, portanto, da regulação da aviação civil.

Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marlos Riani acredita que a não destinação de programas de benefícios, como a milhagem, para pessoa jurídica, fere o princípio da isonomia, definido na Constituição federal. “Sempre foi o servidor que recebeu a milhagem, mas se o comprador é pessoa jurídica, ele teria que ter o mesmo benefício. O ideal é que esse dinheiro fosse utilizado novamente para que o próprio estado comprasse outra passagem”, defende o advogado. Na avaliação de Riani, não seria necessário nem a aprovação de uma lei, bastaria que as companhias quisessem oferecer o benefício ao poder público.