Jornal Estado de Minas

Contrariando a lei, Joaquim Barbosa tem empresa registrada em endereço residencial

Presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa é dono e diretor da Assas JB Corp., cuja sede fica na própria residência do ministro, em Brasília, prática vedada pela lei. Firma foi criada para comprar um apartamento em Miami

Ana D'angelo
- Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Brasília – A empresa criada na Flórida, Estados Unidos, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, para adquirir um apartamento na cidade de Miami, tem como sede o imóvel funcional onde ele mora, na quadra 312 da Asa Sul, em Brasília, o que contraria o Decreto Presidencial 980, de 1993. De acordo com o Ministério do Planejamento, o inciso VII do artigo 8º da norma – que rege as regras de ocupação de imóveis funcionais – estabelece que esse tipo de propriedade só pode ser usado para “fins exclusivamente residenciais”.
Nos registros da Assas JB Corp., pertencente a Barbosa, no portal do estado da Flórida, consta o imóvel do Bloco K da SQS 312 como principal endereço da companhia usada para adquirir o apartamento em Miami – segundo informado pelo jornal Folha de S.Paulo no domingo passado. As leis do estado norte-americano permitem a abertura de empresa que tenha sede em outro país. A Controladoria Geral da União (CGU) também afirma que o Decreto 980 não define “o uso de imóvel funcional para outros fins, que não o de moradia”. O presidente do STF consta, ainda, como diretor e único dono da Assas Jb Corp. A Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35, de 1979), a exemplo da Lei 8.112/90, do Estatuto do Servidor Público Federal, proíbe que seus membros participem de sociedade comercial, exceto como acionista ou cotista, sem cargo gerencial.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) defende a apuração “rigorosa”  das duas situações. “Um ministro do STF, como qualquer magistrado, pode ser acionista ou cotista de empresa, mas não pode, em hipótese alguma, dirigi-la”, confirma o presidente da entidade, Nino Toldo, referindo-se ao artigo 36 da Lei Complementar 35. “Essa lei aplica-se também aos ministros do STF. Portanto, o fato de um ministro desobedecê-la é extremamente grave e merece rigorosa apuração”, ressalta Toldo.

Sobre o fato de a empresa estar sediada no imóvel funcional que Barbosa ocupa, o presidente da Ajufe declarou que “é gravíssimo, do ponto de vista ético”. Segundo ele, “não é dado a nenhum magistrado, ainda mais a um ministro do Supremo, misturar o público com o privado”. E completou: “Dos magistrados, espera-se um comportamento adequado à importância republicana do cargo, pois um magistrado, seja qual for o seu grau de jurisdição, é paradigma para os cidadãos”. Questionada a respeito da abertura de procedimento para averiguar a regularidade da operação, a Procuradoria Geral da República não se manifestou.

A compra do apartamento em Miami, pelo ministro Barbosa, foi à vista. O imóvel é de quarto e sala, com 73 metros quadrados, em um condomínio de alto padrão à beira do rio que batiza a cidade norte-americana. De acordo com informações obtidas pelo Estado de Minas, o preço que consta na escritura registrada em Miami é de US$ 335 mil, ou cerca de R$ 700 mil, de acordo com o câmbio do dólar na época da operação.

A aquisição do apartamento por meio de constituição de uma empresa, e não diretamente em nome da pessoa física, é uma prática de compradores para não pagar impostos ao fisco norte-americano, em caso de transmissão do bem para herdeiros. Ela é considerada legal nos Estados Unidos, segundo advogados especializados. Porém, em caso de venda, é cobrado tributo de 35% sobre o preço do imóvel. Se o registro fosse em nome da pessoa física, o imposto seria menor, de 15%. Segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins, uma empresa pode ser meramente patrimonial, sem necessariamente ter que desenvolver alguma atividade.

O Estado de Minas pediu esclarecimentos ao ministro sobre a sede de sua empresa ser em imóvel funcional, e ainda sobre o cargo de dirigente que ele ocupa na companhia. Porém, a assessoria do STF informou apenas que “com o recesso do Poder Judiciário, o presidente do tribunal está em férias”. Questionado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é presidido por Joaquim Barbosa, afirmou que o órgão não tem competência para a análise da conduta dos ministros do Supremo. Acrescentou que, com relação à operação mencionada, o presidente do CNJ já esclareceu que se trata de operação regular de compra de imóvel no exterior, realizada com recursos próprios, e devidamente registrada em seu Imposto de Renda.

Polêmicas Joaquim Barbosa tem se envolvido em diversos embates com magistrados, ministros, advogados e até com jornalistas, ao dar declarações consideradas agressivas e contraditórias. Uma delas aconteceu em um julgamento do CNJ, este mês, que avaliou o pagamento retroativo do auxílio-alimentação a magistrados, e que vinha sendo recebido por membros do Ministério Público Federal, no qual ele é servidor de carreira. O presidente do STF chamou esses valores de “penduricalhos”, para desrespeitar o teto salarial do funcionalismo, que é de R$ 28 mil. Porém, Barbosa recebeu pelo menos R$ 414 mil do MPF, segundo revelou a Folha de S. Paulo, referente a um controverso bônus salarial, criado nos anos 1990, para compensar, em diversas categorias, o auxílio-moradia concedido a deputados e senadores.

Sobre a aprovação da criação de quatro tribunais regionais federais, pelo Congresso, depois de tramitar por 12 anos nas duas casas legislativas, Barbosa afirmou que as associações de magistrados atuaram de forma “sorrateira” ao apoiar a proposta.