Brasília – A Comissão Especial da Memória, Verdade e Justiça da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) que julgue os embargos declaratórios da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153. A ação questionou o alcance da Lei nº 6.683/79 (Lei de Anistia) aos agentes da repressão envolvidos nas mortes e desaparecimentos de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia durante a ditadura militar.
“Vamos, com o presidente da OAB, Marcos Vinicius Furtado, fazer gestões junto ao Supremo Tribunal Federal para que haja efetivamente o julgamento dos embargos de declaração que são referentes à ADPF 153”, disse nessa quinta-feira o presidente da comissão, Henrique Mariano.
Segundo Mariano, até hoje o Estado brasileiro não implementou as determinações que constam da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Apesar disso, Mariano descartou a possibilidade da OAB entrar com nova ADPF no STF. O tema foi debatido nesta quinta-feira durante evento da Comissão Especial da Memória, Verdade e Justiça da OAB.
“A OAB tem a legitimidade processual de ajuizar uma nova ADPF perante o Supremo Tribunal Federal. No entanto, a OAB entende que este debate é do interesse comum de todas estas instituições, entidades e comitês que trabalham na implementação da Justiça de Transição e resolvemos convocar este pessoal todo. As entidades estão divididas, não no sentido de reconhecer a importância da ADPF, mas talvez seja melhor de um modo estratégico postergar o seu ajuizamento”, disse.
Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Estado brasileiro pelos atos ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia. A Corte determinou que o governo brasileiro adotasse uma série de medidas para o esclarecimento dos fatos e apuração do paradeiro dos desaparecidos. A sentença determinou ainda a identificação dos agentes responsáveis pelos desaparecimentos, apontando as responsabilidades penais e sanções cabíveis.
Na sentença, a Corte também considerou que as disposições da Lei de Anistia brasileira não têm o poder de impedir a investigação e a sanção aos responsáveis pelas graves violações de direitos humanos ocorridas durante a Guerrilha do Araguaia.
No mesmo ano, a OAB entrou com pedido junto ao STF para questionar a extensão da Lei de Anistia. A ação argumentava que a lei não se aplicava a crimes comuns como prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro
e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar. No julgamento da ADPF, o Supremo manteve a validade da anistia a torturadores .
Em julho deste ano, a OAB enviou ofício ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, questionando quais providências foram adotadas pelo governo para dar cumprimento às determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Segundo Mariano, após o julgamento dos embargos pelo STF, a OAB e as entidades envolvidas no processo vão avaliar se é pertinente o ajuizamento de uma nova ação.
A Guerrilha do Araguaia foi um movimento político no começo da década de 1970, que surgiu para enfrentar a ditadura militar. Ela ocorreu na divisa dos estados do Pará, Maranhão e Tocantins (na época Goiás) e foi combatida pelas Forças Armadas entre 1972 e 1974 em quatro operações. Até hoje, dezenas de militantes que participaram da guerrilha estão desaparecidos.
Na última terça-feira (30), a Comissão Nacional da Verdade (CNV) recebeu da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República os nomes de cerca de 300 militares que participaram das expedições de repressão à Guerrilha do Araguaia. Pretende-se que a CNV ouça os militares da ativa e da reserva que participaram das ações. Os nomes também foram encaminhados à Justiça Federal que, em 2003, responsabilizou o Estado brasileiro pela busca e localização dos restos mortais dos guerrilheiros mortos.