A ira das ruas já fez muitas vítimas na política, mas o primeiro a ser literalmente nocauteado é o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Embora negando, ou tratando o assunto como hipótese, ele está decidido a renunciar para favorecer a candidatura do vice, Luiz Fernando Pezão (PMDB), a governador, alegando a necessidade de se afastar para viabilizar legalmente a candidatura, a deputado federal, de seu filho Marco Antônio. Aquele que o pai, protestando contra a pré-candidatura do senador Lindbergh Farias (PT) e ameaçando romper a aliança com o PT, lembrou ter Neves no sobrenome.
De lá para cá, tudo mudou para Cabral, que, segundo fontes do PMDB nacional, ainda tem dúvidas sobre o momento certo para deixar o cargo. Se no início de janeiro de 2014, o que daria mais tempo de governo para o vice, ou se em abril, quando termina o prazo legal para a desincompatiblização de governantes que serão candidatos ou tenham parentes de primeiro grau com essa pretensão.
No ano passado, Cabral chegou a cogitar a renúncia para que Pezão pudesse disputar a eleição para governador no cargo. Nesse caso, sendo eleito, ele não teria direito à reeleição, tal como acontece hoje, pela mesma razão, com o governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), que concluiu o segundo mandato de Aécio Neves (PSDB). Depois, desistiu e anunciou que ficaria no cargo até o fim do mandato, trabalhando pela eleição do sucessor.
Com a eclosão dos protestos, entretanto, o mundo de Cabral caiu. As grandes manifestações de junho no Rio, duramente reprimidas, hoje estão praticamente restritas à ação violenta dos vândalos e de grupos radicais, aparentemente infiltrados por mercenários do narcotráfico e de outras organizações criminosas, talvez partidárias, especulam o governador e seus aliados. O prédio em que ele mora, no Leblon, continua sendo um ponto permanente de protestos e de confrontos com a polícia, para irritação dos moradores da rua. Cabral recusou todos os apelos de correligionários e auxiliares para que fosse morar na residência oficial do Palácio das Laranjeiras. No fim de julho, as pesquisas mostraram que ele se tornara o mais impopular, numa lista de governadores vitimados pelo mau humor da população. Em São Paulo, durante a visita do papa, foi alvo de protesto em que uma faixa dizia: “Vaza, Cabral”. O sumiço do pedreiro Amarildo, depois de ter comparecido em 14 de julho ao posto policial da UPP da Rocinha, engrossou os últimos protestos com a participação de moradores da favela. O assunto esquentou na sexta-feira, com as suspeitas levantadas pela ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, de responsabilidade da PM no desaparecimento.
Nos últimos dias, Cabral ensaiou um discurso conciliador, fazendo autocrítica e declarando o desejo de dialogar. Na sexta-feira, anunciou o recuo na demolição do ginásio esportivo Celio de Barros, ao lado do Maracanã, dizendo que a própria concessão, muito criticada pelos cariocas, estava “em suspenso”. Os acenos caíram no vazio, e o dia terminou com outro ato paulista, contra ele e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), alvejado pelas revelações da empresa Siemens, sobre a participação em um cartel que teria atuado em licitações dos governos estaduais tucanos. Por isso, é possível que agora ele também comece a ser malhado continuamente nos protestos. Os políticos vêm prevendo que as ruas não sossegarão antes da eleição.
A renúncia, que só uma virada favorável na situação de Cabral impediria, tornou-se para ele a melhor saída. Ainda que não tenha condições de disputar o Senado, como cogitado, dará a Pezão uma chance de se provar como gestor para ganhar competitividade, e abrirá caminho para o filho entrar na política. Ainda que Cabral quisesse, nenhum outro governante deseja que ele confirme esse plano agora. Se as ruas gostarem e diversificarem as apostas, ninguém sabe qual será a próxima pedra a cair no dominó.
Tabu que volta
O governo brasileiro voltou a negociar com os Estados Unidos o acordo iniciado na era FHC, e rejeitado pelo governo Lula, para uso comercial da Base de Alcântara. Em 2003, uma forte reação nacionalista, traduzida pelo parecer do relator na Câmara, o ex-deputado Waldir Pires (que hoje é vereador de Salvador, pelo PT), sepultou o acordo. Um dos críticos, na época, foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que agora adverte: “Para vingar, o acordo não poderá vedar o acesso de autoridades brasileiras a qualquer área, como naquela versão, nem impedir contratos com outros países”. E o Congresso deveria aprovar seus termos antes da assinatura, evitando problemas e surpresas. O Congresso, em transe desde junho, não tem prestado atenção ao assunto.
O jogo recomeça
- O Congresso volta com a faca na bota. O líder do PT, José Guimarães (CE), tenta unificar a bancada para ajudar na pacificação da esgarçada base dilmista.
- A oposição retorna com novo ânimo. O presidenciável e presidente do PSDB Aécio Neves reunirá, na terça, todos os presidentes regionais do partido, para acertar a estratégia de 2014.
- Dilma pisca para os jovens. Sancionará amanhã o Estatuto da Juventude, aprovado pelo Congresso após nove anos. O texto final do relator Reginaldo Lopes (PT-MG) fixa os direitos fundamentais dos que têm entre 15 e 29 anos. Dilma lançará também o programa Estação Juventude, destinando R$ 20 milhões a ações sociais para os jovens nos municípios.
A RENÚNCIA DE CABRAL