A Câmara dos Deputados corrigiu ontem uma injustiça histórica com a devolução simbólica dos mandatos da bancada federal eleita pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB)para integrar a Assembleia Constituinte de 1946 e também exercer o cargo no parlamento até 1950. Faltando dois anos para o fim do mandato, em janeiro de 1948, os 14 deputados comunistas eleitos por São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul tiveram seus mandatos cassados por uma resolução da própria Câmara. Entre eles figuravam nomes importantes da luta contra a ditadura do Estado Novo e do governo militar, como o escritor baiano Jorge Amado, os fundadores do partido, João Amazonas e Maurício Grabois, morto na Guerrilha do Araguaia, e o guerrilheiro Carlos Marighella, que chegou a ser considerado o principal inimigo do regime.
A sessão solene foi acompanhada ontem na Câmara dos Deputados por parentes dos parlamentares, já que nenhum deles sobreviveu para ver seus mandatos reinstalados. Segundo a assessoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), autora da proposta de devolução dos mandatos, a Câmara não conseguiu localizar parentes de alguns dos cassados. Maria Marighella, neta de Marighella, morto em uma emboscada durante a ditadura, foi a primeira a receber das mãos do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o diploma e o boton de deputado federal do avô. Aplaudida de pé, ela gritou ao descer da tribuna: “Esses deputados (cassados) amaram o povo brasileiro”.
Paloma Amado, que representou o pai, Jorge Amado, na cerimônia, disse ter ficado emocionada com a solenidade. “Essas pessoas que foram cassadas foram eleitas pelo povo e foram excelentes deputados. Deram tudo de si e foram vilmente alijados. Com isso, se estava atacando o povo que os elegeu. Me sinto homenageada, mas, sobretudo, homenageada por viver em um país em que isso é possível acontecer.”
Dignidade
Em seu discurso, Henrique Alves pediu desculpas, em nome da Câmara dos Deputados, aos comunistas que perderam os mandatos. “Resgatamos a dignidade do Parlamento frente a esse episódio que fez a Casa sangrar e deixou parcela da população sem representação política. Em nome da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e de todos os 513 deputados que fazem parte deste Parlamento, peço desculpas a eles pelo grave equívoco, pela grave violência cometida em 1948”, enfatizou Alves.
"Para os militantes da esquerda brasileira e o povo é, sem dúvida alguma, um fato histórico. A devolução dos mandatos caminha no sentido de corrigir e reparar uma injustiça aos constituintes comunistas da década de 1940, mas também de valorizar suas conquistas que perduram até hoje em nossa República”, afirmou Jandira Feghali.
Em maio, o Senado devolveu o mandato de Luiz Carlos Prestes, morto em 1990. Ano passado também foram reempossados simbolicamente os 173 deputados federais expulsos do Congresso entre 1964 e 1977 pelo regime militar. A cerimônia contou com a participação das famílias, já que entre os perseguidos pela ditadura apenas 28 estão vivos.