São décadas de espera. Espera marcada por acidentes, mortos e feridos. A cada mal traçada curva da rodovia assassina a tragédia está à espreita. A publicação, na semana passada, dos resultados da licitação dos primeiros lotes para a duplicação da BR-381 representa o primeiro fato concreto de que as obras estão para sair do papel. Dois dias depois do anúncio das empresas vencedoras, ocorrido na quarta-feira, o Estado de Minas percorreu os quatro trechos com concorrência encerrada, num total de 68,1 quilômetros, onde as primeiras máquinas devem chegar a partir de outubro. Em contato com moradores de cidades à beira da estrada, a reportagem conferiu de perto a esperança daqueles que, finalmente, poderão deixar de ser espectadores de milhares de tragédias anunciadas. Além disso, números exclusivos apurados pelo EM confirmam o que já se sabe: a necessidade urgente da obra. Somente em dois desses trechos, referentes aos lotes 3 e 9, são registrados cerca de 600 acidentes por ano, com pelo menos 28 mortos e quase 400 feridos (veja quadro na página 4). Segundo especialistas, a duplicação total entre Belo Horizonte e Governador Valadares, reduzira em 60% os números de óbitos na Rodovia da Morte. Os fatos mostram, porém, que só a licitação não é o bastante para pôr um fim nessa história. É preciso exigir das empresas vencedoras e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) um cronograma urgente e o cumprimento rigoroso e transparente de cada etapa.
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Com duplicação da BR-381, número de mortes pode cair até 60%Duplicação da BR-381 segue no compasso da burocracia para sair do papelDnit encerra processo de licitação para obras na BR-381Projeto de lei quer punir os responsáveis por erros em projetos de obras públicasBR-381 enfrenta mais entraves na duplicaçãoGrupo na Câmara discutirá PEC de policiais militaresLicitações apontam economia de R$ 40 milhões em obras da BR-381Na manhã de sexta-feira Ana foi à manicure. Dois quilômetros pela Rodovia da Morte. Voltaria para casa e, à tarde, estrada novamente, desta vez para o trabalho. Outros cinco quilômetros até o restaurante onde é atendente. A filha, Stephany Patrício da Silva, de 9, também tem relação intensa com a via. Precisa trafegar pela 381 todos os dias para ir à escola, no mesmo distrito em que fica o salão de beleza da mãe.
O trecho da rodovia que faz parte da rotina de mãe e filha integra o lote 9, um dos primeiros da estrada a serem duplicados pelo governo federal, o percurso entre o entroncamento com a MG-435, que dá acesso a Caeté, e o Rio Una, em São Gonçalo do Rio Abaixo, num total de 37,5 quilômetros. “Vai melhorar muito. Tem caminhão passando por aqui que parece não caber na estrada”, diz Ana. A licitação para a obra, que vai custar R$ 530 milhões, foi concluída na última quarta-feira. Com curvas curtas, o trecho cruza quatro municípios: Caeté, Nova União, Bom Jesus do Amparo e Barão de Cocais. A expectativa é de que as obras comecem em outubro. O prazo de conclusão é de três anos, dois meses e 15 dias.
Dura rotina, para cima ou para baixo
O trabalhador rural Antonio Afonso Ribeiro, de 55, tem uma conta na cabeça. “As obras na BR-381 vão melhorar o trânsito em 50%. O tráfego vai fluir mais e acontecerão menos acidentes”, aposta. Morador de Antonio Dias, o camponês não tem a menor dúvida de onde vai partir e aonde vai chegar um dos túneis previstos no lote 5 da obra de duplicação da estrada e que também já tem licitação concluída. Antonio usa a estrada tanto para “descer” para Coronel Fabriciano ou Ipatinga, como para “subir” para Nova Era. “Para baixo vou toda semana. Para cima, de três em três meses”, conta.
Antonio pode ter errado os pontos por uma ou outra dezena de metros, mas as perfurações para a construção dos túneis serão próximas ao Ribeirão Prainha. Com 1,2 quilômetro, as passagens acabarão com um trecho de aproximadamente dois quilômetros de subidas e descidas com curvas extremamente fechadas.
Outro conjunto de túneis está previsto para ser construído próximo ao Rio Piracicaba lote 4. A licitação para a obra está praticamente concluída, mas, ao contrário das outras duas concorrências, ainda não foi homologada. O motivo é que as empresas vencedoras só apresentaram preço inferior ao teto estabelecido pelo governo federal para a obra na quarta-feira. Pelas regras da disputa, a proposta precisa ser formalizada em dois dias úteis, prazo que venceu na sexta-feira. A expectativa é que as empresas sejam confirmadas como as vencedoras da concorrência nesta semana.
O selvagem da motocicleta
Outro trabalhador rural, Bruno Pires dos Santos, de 18, também aguarda com ansiedade a duplicação da BR-381. Até por ser um aventureiro indomável. Ao lado do colega de profissão, José Guilherme Raimundo, de 50, conta que já sofreu dois acidentes de moto na rodovia. Ainda sem toda a documentação necessária para trafegar pela via, Bruno há cinco meses diz ter sido jogado para fora da estrada por um caminhão no trecho perto da entrada para a hidrelétrica de Sá Carvalho. “O motorista me fechou e caí na canaleta da rodovia.” O ponto em que o acidente aconteceu fica entre o Ribeirão Prainha e o entroncamento da BR-381 com a MG-320, que dá acesso a Jaguaraçu, num total de 28,6 quilômetros. A licitação para o percurso, referente ao lote 3, foi concluída também na quarta-feira. O prazo para a obra é o mesmo para o trajeto entre a MG-435 e o Ribeirão Una. O custo total previsto para o trecho é de R$ 298,3 milhões.
Os dois trabalhadores usam a estrada para viagens a Fabriciano e Ipatinga para consultas médicas e compras. O outro acidente sofrido por Bruno foi em um trecho da rodovia em que a licitação ainda não foi concluída pela apresentação de recursos por empresas que discordaram de critérios de classificação adotados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O percurso vai do entroncamento da MG-320 até o acesso para Belo Oriente, num total de 60,2 quilômetros. “Um caminhão atravessou na pista e bati de frente”, conta o trabalhador rural. O acidente foi próximo a Acesita. “Caí de cabeça no meio-fio. O capacete rachou. Os médicos disseram que por pouco não morri”, relembra Bruno, que diz ter tido sorte.
Nas últimas décadas, o que o trabalhador rural alegou ter para não morrer no acidente pode ter ajudado muitos outros que precisam trafegar pela BR-381. A expectativa é de que, com a duplicação da rodovia, a sobrevivência na estrada não dependa mais do acaso.