São Paulo - O Tribunal de Contas do Estado (TCE) quer declarar inidôneas a Siemens e todas as empresas que atuaram no cartel de trens em São Paulo. O objetivo do procedimento é vetar futuras contratações dessas empresas pelo governo estadual. Investigações em curso pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal apuram denúncias de que agentes do governo paulista, de 1998 a 2008 - gestões do PSDB -, teriam recebido propina dessas empresas.
A estratégia do órgão controlador do Estado é a mesma adotada pelo governo federal, por meio da Controladoria-Geral da União (CGU), que rotulou de inidônea a empreiteira Delta, protagonista do escândalo envolvendo o contraventor Carlinhos Cachoeira. Caso o procedimento seja aberto, um dos sete conselheiros do TCE que julgará o feito será Robson Marinho, ex-secretário da Casa Civil do governo Mário Covas, sobre quem paira a suspeita de ter recebido propina da empresa francesa Alstom para beneficiá-la em processos de contas no próprio TCE envolvendo contratações no sistema metroferroviário paulista.
Controvérsia jurídica
Não há uma pacificação jurídica sobre o efeito de eventual declaração de inidoneidade para contratos vigentes. Os contratos em que a Siemens apontou a existência de cartel já foram todos encerrados, mas a multinacional alemã e várias empresas por ela denunciadas participam, por exemplo, de pelo menos um dos quatro contratos da reforma dos trens das Linhas 1 e 3 do Metrô de São Paulo, que ainda vigem.
Há decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que invocam o princípio da segurança jurídica para determinar que a inidoneidade só valha para contratações feitas depois do julgamento. Contudo, outras decisões do próprio STJ facultam à administração a promoção de medidas para a rescisão de contratos vigentes.
Por meio do ofício 407/2013 ao procurador-geral de Contas, Celso Augusto Matuck Feres Junior, o presidente do TCE aponta a “maciça veiculação por todos os meios de imprensa de suposta formação de cartel no setor metroferroviário”. Citadini pede ao procurador que avalie “a conveniência e oportunidade de provocar junto a este TCE a instauração de processo sobre eventual inidoneidade de licitantes”.
O Ministério Público de Contas afirmou, em nota, que aguarda resposta ao ofício enviado ao Cade no último dia 07 para tomar as devidas providências. “O teor da resposta é bastante importante porque, em relação aos feitos já julgados, poderá legitimar ações de rescisão”, afirmou o procurador José Mendes Neto, responsável pela comunicação do órgão.
Revisão do passado
Os processos envolvendo os contratos já encerrados podem ser reabertos para nova análise. Caso comprovadas irregularidades, as empresas podem sofrer sanções que vão desde multas até a declaração de inidoneidade. No ofício à Procuradoria de Contas, Citadini invoca o artigo 108 da Lei Orgânica do TCE para lembrar que é da competência do tribunal decidir sobre a inidoneidade.
O artigo dispõe que “o Tribunal Pleno poderá declarar, por maioria absoluta de seus membros, inidôneo para contra tar com a administração pública, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, o licitante que, através de meios ardilosos e com o intuito de alcançar vantagem ilícita para si ou para outrem, fraudar licitação ou contratação administrativa”.
Conselheiro sob suspeita
O conselheiro do TCE Robson Marinho, suspeito de ter recebido propina da Alstom, teve bens no exterior bloqueados pela Justiça em 2009. Ele teria pelo menos US$ 1 milhão em contas na Suíça, valor que, segundo investigadores, tentou transferir para os EUA. A promotoria suíça, porém, impediu a operação. Os sigilos fiscal e bancário de Marinho também foram quebrados. O processo que o investiga tramita sob segredo de Justiça.
Empresas
A Siemens afirma reiteradamente cooperar “integralmente com as autoridades, manifestando-se oportunamente quando requerido e se permitido pelos órgãos competentes” e sustenta que “não pode se manifestar em detalhes quanto ao teor de cada uma das matérias que têm sido publicadas”.
A Mitsui & Co (Brasil) reconheceu que está sendo objeto de uma investigação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e que, por isso, não iria se pronunciar. Por sua assessoria de comunicação, a Mitsui anotou: “A companhia tem diligentemente cooperado com as investigações. Como a investigação ainda está em andamento, a Mitsui & Co (Brasil) não comentará o caso”.
A Bombardier sustenta que sua conduta empresarial “repudia o recurso a práticas anticoncorrenciais”. “A Bombardier gostaria que esse caso ficasse esclarecido o mais rápido possível, para isso, colabora em absoluto com a investigação que as autoridades no Brasil estão a fazer a todo o setor ferroviário, e acrescenta que sempre colaborou quando a isso foi chamada, no Brasil e em qualquer outro país, e que nunca foi acusada, em nenhum mercado do mundo, de ter recorrido a práticas anticoncorrenciais”, afirma. A empresa diz não poder, durante a fase de investigação, fazer comentários, nem “expressar-se sobre especulações”.
O diretor-presidente da Trans Sistemas de Transportes S.A (T’Trans), Massimo Giavina-Bianchi, declarou que a empresa “não se envolveu em nenhuma negociação que não respeite a ética e a lisura do mercado metroferroviário”. “Com relação à veiculação da participação da T’Trans na Linha 5 e Linha 2 não assinamos nenhum contrato com Siemens, Alstom, Bombardier etc. A T’Trans não participou de nenhum consórcio de manutenção e modernização com essas empresas.”
Segundo Bianchi, o nome da T’Trans “tem sido veiculado pela mídia erroneamente”. “Eventualmente tomaremos as medidas necessárias para respeitar a idoneidade da empresa. A T’Trans já apresentou, ao longo de seus 15 anos, 389 propostas tendo firmado apenas 76 contratos. Tem sido citada como um dos grandes fornecedores do mercado, entretanto, somos uma empresa brasileira, de médio porte.”
A Alstom informou estar “colaborando com as autoridades e informou que apenas dois dos seis executivos citados no acordo de leniência permanecem em seus quadros: Geraldo Herz, diretor de cliente, e César Basaglia, gerente de propostas. Com relação às demais empresas, ou elas não responderam aos questionamentos ou seus responsáveis não foram localizados pela reportagem.