Jornal Estado de Minas

Juristas condenam a não cassação de Donadon

Criminalistas e constitucionalistas ouvidos pelo Estado de Minas classificam de imoral o resultado da votação que manteve o mandato do deputado e presidiário Natan Donadon

Isabella Souto
"O Parlamento está com a cotação nada boa perante a opinião pública, e só vai piorar", avalia o ex-ministro do STF Carlos Velloso disse que a decisão - Foto: Beto Magalhaes/EM/D.A PressJuridicamente, cabia mesmo à Câmara dos Deputados decidir o destino do deputado federal Natan Donadan (sem-partido-RO) – que cumpre pena no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal pelos crimes de peculato e formação de quadrilha. Mas não significa que a manutenção do mandato do parlamentar seja legal: para juristas ouvidos ontem pelo Estado de Minas, dois artigos da Constituição Federal (15 e 55) eram suficientes para justificar a cassação do deputado. Divergências legislativas à parte, eles foram unânimes em classificar de imoral a decisão da Câmara dos Deputados.


O criminalista Luiz Flávio Gomes classificou como uma “vergonha absoluta” o placar da votação na Câmara: 233 votos a favor, 131 contra e 41 abstenções. Para a cassação, eram necessários 257 votos. “Do ponto de vista ético, é uma das piores decisões, é uma vergonha absoluta o que fez a Câmara. Perderam o senso moral”, lamentou. Na avaliação do jurista, baseado no inciso 4 do artigo 55, os deputados não poderiam ter adotado outra alternativa senão cassar o mandato do colega.
O texto diz que perderá o mandato o deputado ou senador que perder ou tiver suspensos os direitos políticos. De fato, Natan Donadan sofreu essa punição na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que o condenou a prisão de 13 anos, 4 meses e 10 dias em regime fechado. No entanto, como na época do julgamento – há três anos – ele tinha renunciado ao mandato, os ministros do STF não chegaram a discutir a perda do mandato. Por isso, ficou nas mãos da Câmara a decisão.

Para o constitucionalista José Alfredo Baracho de Oliveira Júnior, no entanto, é preciso observar que o mesmo artigo 55 traz um parágrafo dizendo que aqueles que sofrerem condenação criminal da qual não caiba mais recurso – caso em que Donadan se encaixa – terão a perda de mandato “decidida” pelo plenário da Câmara. Ou seja, é possível que um condenado seja mantido no cargo para o qual foi eleito. “Independentemente de você enxergar uma incongruência, o ato estaria de acordo com a Constituição”, explicou.

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Velloso considera “sem explicação” a atitude dos deputados. “É como a jabuticaba brasileira, não tem explicação. O Parlamento está com a cotação nada boa perante a opinião pública, e só vai piorar”, afirmou. Embora a decisão tenha um caráter mais imoral que ilegal, o ex-ministro ressalta que o ato pode incorrer em “imoralidade administrativa”, o que fere um dos princípios da Constituição Federal.

Desmoralização

Na avaliação do criminalista Daniel Gerber a decisão do Legislativo leva a um descrédito do Judiciário, que condenou o deputado. “Considero um equívoco a manutenção do mandato parlamentar após uma condenação criminal por delitos praticados em virtude da função. A perda do cargo é efeito da própria decisão condenatória, e deixar tal consequência para ser decidida pelo Parlamento traduz situação contraditória com a função da lei penal como, indo além, gera descrédito do sistema jurídico perante os demais cidadãos”, argumentou.

O constitucionalista Rodrigo Meyer Bornholdt vai além: para ele, a Câmara optou por radicalizar a autonomia entre os poderes diante de uma situação “limite”. “A decisão de ontem (anteontem) da Câmara, especialmente num momento em que a cidadania definitivamente acordou no país, pode ter como consequência a completa desmoralização do Congresso Nacional, cuja legitimidade já se encontra seriamente abalada”, opinou.

Defesa quer benefícios

Depois de se livrar do processo de cassação, o deputado federal Natan Donadon (sem partido-RO) concentra esforços em batalhas judiciais para manter os privilégios do cargo. A defesa dele entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a retomada dos salários e da verba indenizatória, cortados por decisão da Mesa Diretora da Câmara. A ação será analisada pelo ministro Dias Toffoli, que pediu esclarecimentos à Casa sobre a medida. Donadon também pretende questionar os 13 anos, 4 meses e 10 dias aos quais foi condenado pelo STF. Mesmo sem ter sido apontado como chefe do esquema de corrupção que desviou R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia, o deputado pegou pena de duas a três vezes maior às das pessoas apontadas como mentoras da quadrilha. Enquanto isso, a mulher e a filha dele ainda moram no apartamento funcional ao qual ele tinha direito.