Jornal Estado de Minas

Nove anos depois do crime, Justiça condena autores dos disparos na chacina de Unaí

Próximo júri do caso está marcado para o dia 17 de setembro, em Belo Horizonte

Maria Clara Prates Leonardo Augusto Emerson Campos

O condenados Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda - Foto: EM DA Press

Foram precisos nove anos de espera até que, no começo deste sábado, depois de longa batalha judicial, com inúmeros recursos e adiamentos, fossem condenados os três primeiros responsáveis pela chacina de Unaí, que vitimou, em 28 de janeiro de 2004, quatro servidores do Ministério do Trabalho. A sentença, proferida pela juíza Raquel Vasconcelos Alves de Lima, substituta da 9ª Vara Federal em Belo Horizonte, condenou Erinaldo de Vasconcelos Silva a 76 anos e 20 dias por quatro homicídios triplamente qualificados e por formação de quadrilha, Rogério Alan Rocha Rios a 94 anos de prisão pelos mesmos crimes e William Gomes de Miranda a 56 anos de reclusão por homicídio triplamente qualificado.

O próximo júri do caso está marcado para o dia 17 de setembro, quando serão julgados o fazendeiro Norberto Mânica, o cerealista Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro, apontados como mandantes do crime. Um irmão de Norberto, o também fazendeiro e ex-prefeito de Unaí, Antério Mânica, ainda não teve a sessão marcada pela Justiça.

Debates durante o julgamento

Os debates entre acusação e defesa esquentaram o clima durante a sessão de julgamento dos três acusados de executarem os servidores. Um dos responsáveis pela acusação, o procurador da República Vladimir Aras, praticamente dissecou as provas do processo para demonstrar a participação dos pistoleiros na execução e também com mandantes e intermediários do crime conhecido internacionalmente como Chacina de Unaí. Segundo Aras, os acusados agiram como "três mosqueteiros, mas não a serviço de um rei bom".

Além de Aras, as teses de acusação foram apresentadas ainda pelo procuradora Mirian Moreira Lima e pelos assistentes de acusação, Antônio Francisco Patente e Rogério Del Corsi, durante duas horas e meia, no quarto dia de julgamento. "A motivação desse crime foi a desmedida ambição de fazendeiros que eram os maiores produtores de feijão do país. A motivação subjetiva é que eles acreditavam que o dinheiro comprova tudo e todos", afirmou Del Corsi. Ele fazia menção aos fazendeiros Norberto Mânica, o "rei do feijão", e o seu irmão, o político Antério Mânica, que administrou Unaí entre 2005 e 2012, acusados de serem os mandantes das brutais execuções.

Durante o julgamento, Norberto teve sua situação complicada com a confissão de dois dos réus, o cerealista Hugo Pimenta, acusado de intermediar a contratação dos pistoleiros, e Erinaldo Silva, autor dos disparos. Eles afirmaram que Norberto queria eliminar o auditor fiscal Nelson José da Silva, mas como ele estava acompanhado, determinou a morte de todos. De acordo com Erinaldo, as mortes o obrigaram a desembolsar R$ 50 mil para pagar a ele, William e Rogério Alan. Ele ficou com a maior parte e repassou apenas R$ 7 mil para os parceiros.

O advogado Patente atuou para tentar derrubar a negativa de participação nos crimes. Ele apresentou ao Conselho de Sentença, formado por cinco mulheres e três homens, carta de Rogério a Erinaldo cobrando mais dinheiro. . "Se precisar, ligo para a prefeitura, para a casa deles, para a fazenda. Eu quero o meu. Vou fugir e acerto com eles. Sou ladrão, não vou ficar sem receber", disse o pistoleiro. Acostumado aos tribunais do Júri, Patente disparou: "O dinheiro é a arma na mão do covarde que executa e sai da mão do covarde que não tem coragem de executar".

PERDÃO
A apresentação das teses da defesa foi um verdadeiro "vale-tudo". Teve desde o apelo para que os jurados se lembrassem dos ensinamentos de Jesus Cristo até a críticas a privilégios da Justiça brasileira concedido a réus de poder aquisitivo e os pobres, passando pelas críticas ao trabalho de investigação do Ministério Público e Polícia Federal. Foram quase três horas. O primeiro a falar foi o advogado de Erinaldo, réu confesso, Antônio Oliveira Filho. A ele não restou outra opção a não ser pedir que o Conselho de Sentença reconhecesse a boa intenção de seu cliente ao revelar toda a dinâmica dos crimes e concedesse o perdão judicial. Erinaldo ao confessar, chorou e pediu perdão aos familiares das vítimas que acompanham a sessão. Oliveira pediu ainda que os jurados rejeitassem um das qualificadoras do crime, o que reduzia mais sua pena.

Por sua vez, o advogado Sérgio Moutinho tentou convencer aos jurados de que Rogério Alan não esteve em Unaí no dia do crime. Segundo testemunhas arroladas por ele, o pistoleiro estava em Salvador e trabalhava como motorista para um espanhol. Disse que a PF conduziu sua apuração com o objetivo de incriminá-lo ao fraudar um livro de registro de hóspedes de hotel em Unaí, onde Rogério Alan teria ficado hospedado. "Para mim, esse processo e essa investigação são como a letra da música de Chico Buarque: o amor mal feito, depressa. Fazer a barba e sair", disse Moutinho. Em seguida, foi a vez da defesa de William, representada por Celso Gabriel de Rezende, que disse que seu cliente não participou do crime. Alegou que ele apenas dirigia para um homem doente, inabilitado, que o contratou.

O CRIME Os auditores fiscais Nelson José da Silva, Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram mortos em 28 de janeiro de 20004 em Unaí, no noroeste de Minas, durante fiscalização de trabalho escravo.