Enquanto no Brasil o debate em torno do fim do voto secreto no Congresso se arrasta há mais de uma década, nos parlamentos das democracias ocidentais, com raras exceções – Portugal é uma delas –, prevalece o voto aberto nos parlamentos, inclusive para as decisões sobre cassações e impugnações de mandatos. Com frequência, o sigilo está restrito às eleições de presidentes das casas legislativas. Nos Estados Unidos, por exemplo, mesmo com a previsão de sessões fechadas, sem a presença da imprensa e do público, para casos de segurança nacional e de impeachment presidencial, a votação, neste caso, é aberta. Foi o que ocorreu em 1999 no julgamento do democrata Bill Clinton, quando foram registrados inclusive votos de republicanos favoráveis à absolvição dele. Da mesma forma, na Dinamarca, sessões que conduzem debates sigilosos não impedem que, no momento da deliberação, os eleitores conheçam o posicionamento de seus representantes, com sessões públicas e votos abertos.
Reino Unido, Canadá, Suécia, Alemanha, França e Finlândia são democracias onde os debates e votações nos parlamentos são abertos e só há sigilo na eleição dos comandos das casas. Alguns países, como a Bélgica e a Itália, preveem sigilo do voto quando deputados deliberam sobre nomeações e indicações. Mais próximo da tradição brasileira, Portugal mantém em segredo, além das eleições das mesas diretoras e das indicações e nomeações, decisões sobre a suspensão de processo criminal contra membros do governo.
No Brasil, há quatro situações em que a Constituição Federal ou o regimento interno da Câmara e do Senado preveem o voto secreto. Entre eles, o mais polêmico é o da cassação de mandatos de parlamentares condenados por crimes, como foi o caso de Natan Donadon (ex-PMDB-RO). Diante da dificuldade em julgar os seus pares com equilíbrio, há quem avalie que essa função deva ser atribuição da Justiça. “Quando se trata de julgar pares, o caso deveria ir à Justiça, pois, ou há pressões corporativas que levam para a pizza, ou há pressões espúrias do que se propala como politicamente correto, que leva a punir sobre qualquer coisa que apareça como corrupção na mídia, onde há tendência clara de associar política com corrupção”, avalia o cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fábio Wanderley Reis.
Os constituintes de 1988, ao estabelecer o voto secreto para as cassações de mandato, acreditaram que deputados e senadores atuariam como juízes, sem a pressão da mídia e da opinião pública. “A prática demonstrou o contrário”, afirma o advogado, pesquisador de direito constitucional e consultor da Câmara dos Deputados, Roberto Carlos Martins Pontes. “O espírito corporativo tem falado mais alto e esse princípio da isenção que norteou os constituintes, assim como o voto secreto como forma de proteger a opinião dos deputados, foi rejeitado pela realidade”, acrescenta ele, autor do estudo Voto secreto nos parlamentos.
No contexto do presidencialismo brasileiro de grande peso do Executivo, não são poucos os que defendem voto secreto para o caso de vetos presidenciais, quando ele funcionaria como defesa do parlamentar. “No caso dos vetos, tenho dúvidas sobre em que situação o interesse público prevaleceria mais, se com o voto aberto ou secreto”, analisa Martins Pontes.