Apesar do alerta feito durante as manifestações de junho pela presidente Dilma Rousseff (PT) aos governadores e prefeitos de que "o povo deseja que as mudanças ocorram de forma mais rápida", as medidas anunciadas como resposta às demandas das ruas esbarram em dificuldades administrativas e em interesses políticos para sair do papel. Os cinco pactos sugeridos por Dilma – plebiscito para mudar o sistema político, atenção especial com os gastos públicos, destinação dos royalties do petróleo para a educação, mais recursos para mobilidade e a vinda de médicos estrangeiros para ocupar postos de saúde nas regiões mais pobres – podem levar mais tempo para ser implementados do que imaginavam os milhões que protestaram há pouco mais de dois meses.
O primeiro pacto, pela atenção à responsabilidade fiscal com as contas públicas de cada estado ou município, soou como um alerta de que a situação econômica no cenário internacional pode demorar mais do que o previsto para voltar a beneficiar o Brasil. A presidente garantiu que seu governo vai trabalhar para conter o aumento da inflação. Na prática, a questão pouco alterou a situação para os gestores, que já têm de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, que vigora desde 2000 e determina o controle dos gastos em relação à arrecadação anual dos governos estaduais e prefeituras.
"Há várias maneiras de fazer um processo constituinte específico. Ela falou genericamente disso", explicou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), depois de reunião entre a presidente Dilma com integrantes da OAB e o vice-presidente Michel Temer (PMDB). Derrubada a proposta inicial do Planalto, a bancada petista mantém a tentativa de emplacar mudanças mais simples no sistema eleitoral. Um texto discutindo a forma de financiamento de campanha, unificação das eleições e mudança na apresentação de propostas de iniciativa popular foi apresentado no Congresso no fim de agosto, a pouco mais de um mês do fim do prazo para aprovação de leis que possam vigorar nas eleições do ano que vem.
Só no futuro Nos outros três pactos, a presidente propôs maneiras para melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados à população nas áreas da educação, saúde e mobilidade. A solução para melhorar a educação viria dos recursos arrecadados com a exploração do petróleo, que seriam integralmente aplicados no setor. No Congresso, a ideia esbarrou na pressão de prefeitos, que alertaram para deficiências na saúde e aprovaram lei reservando um quarto do montante para a saúde.
Com o lançamento do programa Mais Médicos, o governo federal tenta resolver o problema da falta de profissionais em postos de saúde das regiões mais pobres do país e nas periferias das grandes cidades. Entretanto, o programa gerou um embate com as entidades da classe médica, que questionam as autorizações provisórias para médicos estrangeiros sem passar por exames de revalidação do diploma em território nacional. Se for bem-sucedido, o Mais Médicos pode ser um trunfo importante para Dilma na disputa do ano que vem, mas as demandas por melhorias na estrutura do setor podem ser um obstáculo para o avanço na saúde.
Para a área da mobilidade, um dos pontos mais reivindicados em junho, o Planalto anunciou um montante de R$ 50 bilhões para distribuir entre estados e capitais, principalmente para projetos de implantação de metrôs e corredores para ônibus. No entanto, a demanda apresentada pelos gestores em Brasília já ultrapassou em mais de R$ 30 bilhões o total prometido para melhorar o transporte nas cidades brasileiras, chegando a R$ 82 bilhões. Outro obstáculo é a dificuldade na liberação dos recursos e execução dos projetos, com os constantes atrasos e adiamentos durante as obras.
Discurso
Ontem, ao fazer um discurso em rede nacional de televisão, a presidente Dilma reconheceu a baixa qualidade do serviço público e defendeu o direito da população de reivindicar melhorias. Ao fazer um balanço dos pactos anunciados no final de junho, Dilma aproveitou para defender o programa Mais Médicos. "A vinda de médicos estrangeiros, ocupando apenas vagas que não interessam e não são preenchidas por brasileiros, não é uma decisão contra os médicos nacionais. É uma decisão a favor da saúde", afirmou.