Os maiores partidos políticos brasileiros não são apenas um punhado de siglas sem qualquer diferença ideológica, que mudam de lado à medida de seus interesses e dos favores que recebem. Pelo menos na opinião dos parlamentares que os representam. É o que mostra um extenso trabalho, inédito, desenvolvido pelo Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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Novos partidos tentam atrair políticosJustiça Eleitoral obriga partidos a devolver R$ 8,2 milhões em Minas Partidos fazem conta e se articulam para eleger candidatos em 2014Denúncias no MTE não atingem Dias, diz líder do PDTCarvalho defende ministro do Trabalho e atuação de filantrópicas“Em determinados temas que têm como pano de fundo o papel do Estado, os partidos e deputados se alinham ideologicamente de modo consistente”, avalia Carlos Ranulfo, professor titular de ciências políticas da UFMG e coordenador do Centro de Estudos Legislativos. O resultado das pesquisas indica que os parlamentares que se autodeclaram de esquerda e percebem os seus partidos mais à esquerda no espectro ideológico – como é o caso do PCdoB, do PT e do PDT – tendem a defender o papel controlador do estado na gestão dos recursos naturais, dos serviços públicos e na regulação da economia (veja quadro). No extremo oposto – sustentando o papel preponderante do mercado e da gestão da iniciativa privada dos serviços públicos – estão os partidos à direita DEM e PP. Enquanto os deputados do PSB se consideram de centro-esquerda, o PPS, o PSDB e o PMDB se autodeclaram majoritariamente de centro e os do PTB, de centro-direita.
Exemplo do claro corte ideológico em matérias relacionadas ao papel do Estado está no debate na Câmara dos Deputados sobre a criação da estatal para ser gestora dos recursos do petróleo extraído do pré-sal. Quando se trata de valores comportamentais – como o apoio às relações homoafetivas, a legalização do aborto, a descriminalização das drogas, a redução da maioridade penal e a pena de morte – as diferenças entre esquerda e direita no Parlamento brasileiro também são visíveis, embora não tão evidentes quanto quando se discute o papel do Estado. São considerados mais “progressistas” ou “liberais” os deputados de esquerda. “Já os deputados de direita tendem a ser mais rígidos em relação a essas questões e a defender a redução da maioridade penal e a pena de morte”, afirma Carlos Ranulfo.
Reforma
Quando a discussão, entretanto, é sobre a reforma política, todos os gatos se tornam pardos. Não há consenso nem mesmo dentro dos partidos, o que torna mais difícil distinguir quem é de esquerda e quem é direita. Segundo o levantamento, as legendas no Brasil se dividem em relação a como deve ser o sistema eleitoral, o financiamento e as listas. “O PT e partidos de esquerda são mais favoráveis à lista fechada, mas existem deputados nessas siglas que defendem a lista aberta. O PSDB tende a defender o voto distrital misto. Já o PTB e o DEM são mais favoráveis à lista aberta, mas existem deputados que pregam a lista fechada nas duas siglas”, avalia Carlos Ranulfo.
Um dado curioso da pesquisa é que, ao longo do tempo, os parlamentares tendem a se declarar politicamente mais à esquerda do que percebem os seus partidos e do que demonstra a sua prática política. Já quando avaliam os seus colegas de Parlamento, sempre os consideram mais à direita do que os próprios se veem.
“O conceito ideológico de direita é muito estigmatizado, pois está associado ao golpe militar, à Arena, e a uma memória ruim. Por outro lado, a esquerda é percebida como a resistência e a luta popular”, avalia o cientista político, apontando para a “síndrome da direita envergonhada”. Daí se explica por que, ao se definirem, os deputados se consideram mais à esquerda do que de fato são percebidos por seus pares, que, por sua vez, tendem invariavelmente a empurrá-los para a direita do espectro ideológico.