Os maiores partidos políticos brasileiros não são apenas um punhado de siglas sem qualquer diferença ideológica, que mudam de lado à medida de seus interesses e dos favores que recebem. Pelo menos na opinião dos parlamentares que os representam. É o que mostra um extenso trabalho, inédito, desenvolvido pelo Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ao longo dos últimos oito anos foram duas pesquisas de opinião realizadas com os deputados federais – em 2005 e em 2010 – e outras duas com os deputados estaduais de 12 assembleias do país, em 2007 e em 2012. Os parlamentares se manifestaram em relação a vários temas políticos e se definiram ideologicamente: se de esquerda, de centro ou de direita. Eles avaliaram também a posição política de seus partidos e ainda apontaram o posicionamento ideológico dos seus colegas de plenário.
“Em determinados temas que têm como pano de fundo o papel do Estado, os partidos e deputados se alinham ideologicamente de modo consistente”, avalia Carlos Ranulfo, professor titular de ciências políticas da UFMG e coordenador do Centro de Estudos Legislativos. O resultado das pesquisas indica que os parlamentares que se autodeclaram de esquerda e percebem os seus partidos mais à esquerda no espectro ideológico – como é o caso do PCdoB, do PT e do PDT – tendem a defender o papel controlador do estado na gestão dos recursos naturais, dos serviços públicos e na regulação da economia (veja quadro). No extremo oposto – sustentando o papel preponderante do mercado e da gestão da iniciativa privada dos serviços públicos – estão os partidos à direita DEM e PP. Enquanto os deputados do PSB se consideram de centro-esquerda, o PPS, o PSDB e o PMDB se autodeclaram majoritariamente de centro e os do PTB, de centro-direita.
Exemplo do claro corte ideológico em matérias relacionadas ao papel do Estado está no debate na Câmara dos Deputados sobre a criação da estatal para ser gestora dos recursos do petróleo extraído do pré-sal. Quando se trata de valores comportamentais – como o apoio às relações homoafetivas, a legalização do aborto, a descriminalização das drogas, a redução da maioridade penal e a pena de morte – as diferenças entre esquerda e direita no Parlamento brasileiro também são visíveis, embora não tão evidentes quanto quando se discute o papel do Estado. São considerados mais “progressistas” ou “liberais” os deputados de esquerda. “Já os deputados de direita tendem a ser mais rígidos em relação a essas questões e a defender a redução da maioridade penal e a pena de morte”, afirma Carlos Ranulfo.
Como a base de sustentação da presidente Dilma Rousseff vai da esquerda à direita – engloba do PCdoB ao PP –, o governo tem dificuldades em patrocinar alguns desses temas considerados sensíveis. “São partidos ideologicamente muito heterogêneos. Por isso alguns avanços na área de direitos humanos são freados”, destaca o cientista político, que apresentará os dados desse estudo em seminário internacional sobre presidencialismo de coalizão hoje, na UFMG.
Reforma
Quando a discussão, entretanto, é sobre a reforma política, todos os gatos se tornam pardos. Não há consenso nem mesmo dentro dos partidos, o que torna mais difícil distinguir quem é de esquerda e quem é direita. Segundo o levantamento, as legendas no Brasil se dividem em relação a como deve ser o sistema eleitoral, o financiamento e as listas. “O PT e partidos de esquerda são mais favoráveis à lista fechada, mas existem deputados nessas siglas que defendem a lista aberta. O PSDB tende a defender o voto distrital misto. Já o PTB e o DEM são mais favoráveis à lista aberta, mas existem deputados que pregam a lista fechada nas duas siglas”, avalia Carlos Ranulfo.
As pesquisas sugerem, segundo o especialista, uma estabilidade na forma como os parlamentares se percebem ideologicamente e percebem os seus partidos. Nos quatro levantamentos, os deputados sempre se posicionam pessoalmente e posicionam seus partidos na mesma linha ideológica. “O Congresso e as assembleias legislativas são mais de centro-direita. As posições à esquerda continuam minoritárias no Brasil”, avalia o cientista, assinalando uma tendência de convergência ao centro, também verificada em outras democracias. “A política exige muita negociação. O centro é por natureza mais flexível. Estar em posições extremas também torna a conquista do voto mais difícil”, afirma Ranulfo.
Um dado curioso da pesquisa é que, ao longo do tempo, os parlamentares tendem a se declarar politicamente mais à esquerda do que percebem os seus partidos e do que demonstra a sua prática política. Já quando avaliam os seus colegas de Parlamento, sempre os consideram mais à direita do que os próprios se veem.
“O conceito ideológico de direita é muito estigmatizado, pois está associado ao golpe militar, à Arena, e a uma memória ruim. Por outro lado, a esquerda é percebida como a resistência e a luta popular”, avalia o cientista político, apontando para a “síndrome da direita envergonhada”. Daí se explica por que, ao se definirem, os deputados se consideram mais à esquerda do que de fato são percebidos por seus pares, que, por sua vez, tendem invariavelmente a empurrá-los para a direita do espectro ideológico.