Brasília - As condenações em série no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) e a prisão de um deputado federal no exercício do cargo, pela primeira vez desde a Constituinte de 1988, motivaram a Câmara a acabar com o foro privilegiado, mas garantindo algumas vantagens. O motivo é que, por trás da medida, os parlamentares trabalham um texto que lhes daria o direito de recorrer de condenações a várias instâncias e, desse modo, fazer com que o processo caminhe vagarosamente até o STF.
A rigidez da Corte no mensalão mostrou a parlamentares que ser julgado diretamente pelo Supremo pode não ser mais um bom negócio. No passado, quando a Corte só podia abrir processo com autorização prévia do Congresso, o foro servia de blindagem. Superada essa fase, o STF não levava adiante ações penais e muitos processos acabavam prescrevendo. Em julgamentos recentes, porém, o quadro mudou radicalmente e ser julgado pelo STF passou a ser temido por não haver para onde recorrer.
O caso de Natan Donadon (sem partido-RO), preso desde junho, também é tido como um marco. Condenado a penas maiores que outros réus envolvidos no mesmo esquema, o deputado acabou tendo o mandato mantido pelos colegas após fazer um discurso com forte tom emocional em plenário com várias críticas ao Ministério Público. A inclusão de um senador na lista de condenados, Ivo Cassol (PP-RO), foi outro fator a motivar a reação.
A proposta em gestação acabaria com o foro privilegiado para os julgamentos. Assim, os parlamentares passariam a ser processados como qualquer cidadão no local onde o suposto crime teria ocorrido. Assim, teriam a conduta analisada inicialmente por um juiz de primeira instância e poderiam emendar uma série de recursos, chegando até a tribunais superiores. Esse rito poderia até tornar mais fácil a prescrição de crimes para quem pode pagar bons advogados.
O grande temor que os parlamentares sempre tiveram da primeira instância, porém, é das chamadas medidas cautelares. São aquelas decisões que os juízes podem tomar antes do julgamento para ampliar a investigação ou impedir a destruição de provas. A proposta em debate na Câmara protegeria os parlamentares desta parte negativa do fim do foro, deixando estas decisões a cargo do STF. Assim, caberia à Corte determinar prisões preventivas ou temporárias, reter o passaporte, bloquear os bens, determinar quebras de sigilo bancário, fiscal ou telefônico e até a expedição de mandados de busca e apreensão de materiais de interesse da investigação.
O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), argumenta que a proteção em relação a essas medidas é necessária para evitar ações sem a fundamentação necessária tomadas por juízes de primeira instância. "Se não fizer isso, você fica sujeito a um juiz de 1º grau que desejar fazer alguma sacanagem e prejudicar o trabalho de alguém", argumenta. Cunha acredita em um acordo sobre o tema, nestes moldes, para acelerar a tramitação e votar com celeridade.
O presidente da Câmara aposta na proposta como mais uma tentativa de desvincular a Casa da polêmica decisão de manter o mandato de Donadon. Alves acredita que o fato de o fim do foro privilegiado ser um pedido constante de manifestações populares ajudaria a Câmara a se reaproximar da sociedade, ainda que algumas medidas em proteção dos parlamentares sejam mantidas. A intenção é aproveitar um projeto que já está em comissão especial e aprovar o texto com celeridade, levando a questão ao Senado, onde acredita-se também em uma tramitação rápida, se forem mantidas na proposta a proteção em relação a medidas cautelares.