Brasília –Na mais dura resposta internacional aos Estados Unidos desde que vieram à tona as denúncias de que o país estaria espionando nações amigas, a presidente Dilma Rousseff confirmou ontem o adiamento da visita de Estado que faria a Washington em 23 de outubro. Seria a primeira com esse status no segundo mandato de Barack Obama e a única programada para este ano pelo governo americano. Em notas divulgadas quase ao mesmo tempo, o Planalto e a Casa Branca disseram que a decisão foi acertada entre os dois governantes. Uma nova data não foi marcada, mas Washington sinalizou com a disposição de que seja no prazo mais breve possível. A resposta brasileira foi uma clara demonstração de descontentamento com as explicações apresentadas até agora sobre a prática dos serviços de inteligência dos EUA, que não pouparam sequer as comunicações da presidente.
O comunicado foi formulado para dar uma resposta sem aumentar a temperatura da crise diplomática. “Na ausência de tempestiva apuração do ocorrido, com as correspondentes explicações e o compromisso de cessar as atividades de interceptação, não estão dadas as condições para a realização da visita na data anteriormente acordada”, diz a nota. O texto menciona o telefonema que a presidente recebeu de Obama na noite anterior. Os dois concordaram que não havia clima para a visita, inclusive pelo risco de que novas denúncias surgissem às vésperas da chegada de Dilma, ou mesmo durante a estada dela nos EUA. O presidente americano comprometeu-se a buscar uma solução para o impasse, mas dificilmente isso seria possível em tempo para a visita de Estado.
Antes de divulgar o comunicado, a presidente voltou a conversar com o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo. Pela manhã, o Itamaraty entrou em contato com a assessora de Segurança Nacional da Presidência americana, Susan Rice, e adiantou o teor da nota, que veio a público no início da tarde.
Segundo interlocutores da presidente, o cenário eleitoral que se desenha para 2014 pesou na decisão. Dilma ponderou que sua presença em Washington, em meio às solenidades de uma visita de Estado – com direito a cerimônias militares e a um jantar de gala na Casa Branca –, representaria um grave risco para sua imagem, caso fossem divulgados novos episódios de espionagem. A hipótese foi aventada na sexta-feira, quando Dilma se encontrou, na Granja do Torto, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros conselheiros políticos. A decisão pelo adiamento, apoiada por Lula, teria o papel de reforçar o discurso da presidente em defesa da soberania nacional, tema que será amplamente explorado na campanha pela reeleição.
O comunicado da Casa Branca vai na mesma linha e reafirma que o presidente Obama “compreende e lamenta as preocupações geradas no Brasil pelas revelações de supostas atividades de inteligência norte-americanas”. O texto assinala que o governo americano mantém o compromisso de trabalhar com a presidente brasileira, pelos canais diplomáticos, “a fim de superar essa questão como fonte de tensão” no relacionamento bilateral.
Segundo documentos vazados pelo ex-consultor da Agência de Segurança Nacional (NSA) Edward Snowden, foram monitoradas comunicações da presidente e do colega mexicano, Enrique Peña Nieto. Em denúncias recentes, o nome da Petrobras apareceu em slides de treinamentos da agência. Os papéis foram entregues ao jornalista americano Gleen Greenwald, que vive no Rio de Janeiro e afirma ter em seu poder mais de 20 mil documentos da NSA. (Colaborou Renata Tranches)