Passa Quatro – O voto do ministro Celso de Mello foi comemorado, na tarde dessa quarta-feira, com o V da vitória pelos amigos e familiares de José Dirceu, na cidade natal do petista – Passa Quatro, no Sul de Minas Gerais, na divisa com São Paulo. Porém, grande parte dos 15,5 mil moradores da cidade reagiu com indiferença à decisão, fundamental para o futuro de Dirceu.
O engenheiro eletrônico aposentado João Luiz Scianni, de 65 anos, e o despachante Douglas Mota, de 70, foram amigos de infância de José Dirceu, de 67, quando estudaram no mesmo colégio. Décadas depois eles organizaram o PT na cidade. Os dois companheiros do ex-ministro assistiram à sessão do Superior Tribunal Federal (STF) pelo computador, em uma pequena lan house que funciona na garagem da casa de João Luiz, em uma travessa no Centro da cidade.
O sobrinho de Dirceu tem uma pequena empresa familiar que produz conserva de berinjela, e enquanto trabalhava na tarde de ontem, escutava atento o voto de Celso Mello, por meio de um notebook. Ele avalia que todo o julgamento foi "tendencioso" e não considera a aceitação dos embargos infringentes uma vitória, mas um alívio. "Como fui criado pela minha mãe, minha referência foram os tios", ressalta Gabriel, que sempre liga para o parente quando precisa de um conselho importante sobre política. Ontem, aliás, após telefonar para ele, o sobrinho desistiu de ser fotografado pelo Estado de Minas enquanto acompanhava a sessão do STF.
Além de Gabriel, moram em Passa Quatro a mãe de José Dirceu, Olga Silva, de 94, a mãe de Gabriel e um irmão do ex-ministro. A família resguarda a mãe das notícias sobre o filho. "Ela já sofreu muito com tudo que o tio Zé passou", lembra Gabriel.
Desde que Dirceu deixou Passa Quatro rumo a São Paulo ele foi líder estudantil, participou da luta armada, foi preso e exilado em Cuba, de onde retornou clandestinamente ao Brasil. Com outro nome e outra cara ele permaeceu no interior do Paraná e se casou – sem revelar à esposa sua verdadeira identidade. Após a anistia, em 1979, participou da criação do PT, foi eleito deputado estadual e federal por São Paulo, tornou-se presidente do PT em 1995 e um dos principais artífices da candidatura vencedora de Lula em 2002, quando virou ministro da Casa Civil. Em 2005, foi cassado e agora, condenado pelo Supremo a 10 anos e 10 meses de prisão, tenta reduzir a pena apelando para os embargos infringentes.
Memórias
Às 15h12, já tendo passado meia hora do ínicio do voto de Celso de Mello, a tensão havia diminuído na lan house, e Douglas comentou: “Como é que está o Zé Dirceu a uma hora dessas?” João Luiz prontamente respondeu: "E o Joaquim Barbosa?". O presidente do STF, Joaquim Barbosa, se tornou o alvo preferido dos companheiros de Dirceu.
João Luiz é membro do diretório municipal do PT e Douglas é filiado ao PDT. "Quando o Lula foi eleito pela primeira, vez o Zé (Dirceu) me ligou e pediu para reorganizar o PT", lembra Douglas. Após divergências com os correligionários nas últimas campanhas, ele deixou o partido, mas não perdeu a fé no amigo de infância. "Eu acho que ele (José Dirceu) é apenas um bode expiatório", entende Douglas. Do tempo de garoto ele lembra que o ex-ministro e réu do Mensalão sempre foi estudioso. "Mas era muito explosivo", destaca. Já João Luiz, que é dois anos mais novo que Dirceu, diz que sempre viu nele um líder. "Era o chefe da turma. Mas hoje, quando ele vem a Passa Quatro, nós o tratamos como um cidadão comum", explica.
Se a sessão do STF mobilizou amigos e família, não houve sinais públicos de que os moradores da cidade estivessem de olho no destino de um dos filhos mais famosos da terra. A TV Justiça não foi sintonizada nos bares e nenhum sinal de comemoração evidente era percepítivel nas ruas. A vendedora Sheyla Martin, de 50, diz que não acompanhou o caso e prefere não falar sobre José Dirceu. "Sou amiga da família, e interior é complicado", esquivou-se. O técnico em informática Iraê Brandão, de 22, também não acompanha o assunto. "Não gosto de política", resume.
Para a babá Luciana de Jesus Bento, de 50, que trabalhou por um ano e meio como acompanhante da mãe de Dirceu ,não há dúvida: "Ele fez coisa errada e deveria ir para a cadeia. Já o funcionário público Walderi Ferreira, de 50, entende que outros corruptos também deveriam ser presos. "Tem que ter cadeia para todo mundo", esbraveja.