Jornal Estado de Minas

Brasilianista faz um mergulho na história dos conspiradores mineiros

Brasilianista participa do fHist e fala de seu mais recente projeto, o livro de Tiradentes

Jorge Macedo - especial para o EM
Ana Clara Brant*

Diamantina – O brasilianista britânico Kenneth Maxwell, um dos maiores especialistas em Inconfidência Mineira, já esteve em praticamente todas as cidades históricas de Minas Gerais, e chegou a morar durante três meses em Ouro Preto, na década de 1960. Mas faltava uma em especial no currículo: Diamantina, onde está desde quinta-feira, já que é um dos convidados do Festival de História (fHist), que termina hoje. O trajeto entre Belo Horizonte e o antigo Arraial do Tijuco já o encantou, sobretudo na chegada ao berço de JK e Chica da Silva. Mas o professor, que é fundador do Programa de Estudos do Brasil da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, não deixou de reparar nas condições da estrada e na distância. “É longe, né? Imagine naquela época dos inconfidentes. Mas estou fascinado”, comentou. E não poderia haver lugar mais apropriado em Diamantina para uma conversa sobre Tiradentes, conspirações e política. A convite do Estado de Minas, Maxwell foi conhecer a residência de um importante expoente da Inconfidência: o diamantinense padre Rolim. Enquanto percorria o casarão no número 14 da Rua Direita, que hoje abriga o Museu do Diamante, Kenneth Maxwell, falou de suas impressões sobre a cidade, a história e, sobretudo, a Inconfidência Mineira e seu mais recente projeto, O livro de Tiradentes, que acaba de ser lançado pela Companhia das Letras e pela editora Penguin.

O que o senhor está achando do Festival de História?
É realmente muito interessante a iniciativa. O mais bacana é que estou tendo a oportunidade de conhecer pessoalmente vários pesquisadores e historiadores que só conhecia por nome. E poder trocar ideias é extremamente profícuo também.

Já que estamos aqui na casa do padre Rolim, qual a relevância dele para a Inconfidência Mineira?
Ele foi importante para o movimento porque era um personagem importante para Diamantina e para o Distrito Diamantino. Era uma figura rica, bem relacionado na região e muito ativo. Conseguiu arranjar muitos apoios por aqui. Mas ele escapou, foi procurado e, por causa disso, temos documentos que fazem uma descrição física do padre Rolim. O que é raro. Não temos muitas informações nesse sentido dos inconfidentes. Temos esse relatório, como se fossem aqueles relatórios da polícia para prendê-lo, e tem essa descrição. Parece que ele tinha até uma cicatriz no rosto, pelo que me lembro.

O senhor afirmou na sua conferência inaugural no fHist que após o trabalho de O livro de Tiradentes, a Inconfidência Mineira se tornou até mais importante que quando o senhor publicou A devassa da devassa. Por quê?
Já escrevi alguns livros sobre o assunto e, nesse novo, tive que buscar documentos na França, Inglaterra, Espanha, Portugal e descobrir todas as ligações entre eles. É bem diferente do que foi A devassa da devassa, que está completando 40 anos. Nesse novo livro, contei com várias pessoas, estudantes, pesquisadores como  Bruno Carvalho, que está aqui em Diamantina (um dos organizadores de O livro de Tiradentes e professor de estudos brasileiros e estudos urbanos na Universidade de Princeton, nos EUA), e que ajudou nessa edição em português, que é novidade. É uma tradução de um livro em francês, originalmente escrito em inglês.

O que esse livro traz de tão importante?
Agora, é a primeira vez que os brasileiros terão a oportunidade de ler em português o que os conspiradores mineiros estavam discutindo. O livro é único também porque foi publicado na França em 1788, dois anos após a declaração da independência dos Estados Unidos. E a edição foi proclamada por Benjamim Franklin, que chegou a Paris para tentar arranjar apoio para a Revolução americana. Mas este livro, o Recueil, foi comprado por José Alvares Maciel (estudante brasileiro que vivia em Coimbra), em Birmingham, na Inglaterra, em 1787, que o levou para o Brasil no mesmo navio em que estava o visconde de Barbacena, que seria o novo governador de Minas. Olhe a ironia. Na verdade, existiam duas cópias do Recueil em Minas Gerais em 1788. A cópia trazida por Álvares Maciel e uma outra, de José Pereira Ribeiro. A cópia de Álvares Maciel é aquela que ficou conhecida como O livro de Tiradentes. Tiradentes tinha essa cópia com ele, no Rio de Janeiro. Logo depois de ser preso, em maio de 1789, ele a deu para um dos membros dos Dragões da Independência, Xavier Machado, que a levou de volta para Vila Rica (atual Ouro Preto). É a cópia que se encontra hoje na coleção do Museu da Inconfidência. A outra cópia, pelo que parece, foi destruída pelos conspiradores de Minas, antes de ser apreendida. Mas o que importa é que as pessoas vão poder compreender um pouco mais o que os conspiradores mineiros queriam.

O que os conspiradores debatiam? E qual é a relação e influência da revolução americana no movimento mineiro?
O grupo era claramente republicano, mas o que esse texto revela é que foi uma revolução constitucionalista também. Eles queriam criar uma Constituição em Minas Gerais e há várias indicações nesse livro que comprovam isso. Os conspiradores de Minas viram o sucesso da Revolução Americana e seus textos constitucionais como modelos do que eles queriam alcançar para o Brasil. O recueil foi publicado na França, em francês, em 1778, e foi dedicado a Benjamin Franklin. O livro contém os documentos constitucionais fundadores dos Estados Unidos (entre eles, a declaração de independência propriamente dita e as constituições de seis dos 13 estados).

Tiradentes é uma figura controversa. Qual foi o real papel dele nessa história?
Ele foi a figura central da Inconfidência Mineira. Houve vários grupos envolvidos na conspiração. Havia os chamados ativistas, ligados aos militares. O próprio chefe dos Dragões estava envolvido e vários outros representantes das Forças Armadas e oficiais da época também estavam. E foi isso que provocou um grande susto no visconde de Barbacena. Quando a denúncia foi feita, ele viu que as Forças que estavam encarregadas de protegê-lo estavam envolvidas na conspiração. E Tiradentes seria o responsável por tirar o governador e executá-lo.

Mas ele foi realmente um herói?
Sem dúvida. E foi considerado assim pelos mineiros muito antes do que se possa imaginar.

O que foi mais complicado para produzir O “livro do livro”, como o senhor o apelidou?
Era necessário formar uma equipe para fazer a pesquisa. Precisava de uma pessoa expert na história norte-americana no momento da independência, bem como uma pessoa que sabe francês e conhece a história francesa. E outro que conhecesse a história brasileira, mas soubesse falar francês e inglês, que é o caso do Bruno Carvalho. Tivemos o Gabriel Rocha, um estudante brasileiro, imigrante que mora em Nova Jersey, que também fala muito bem francês e português. E depois, descobrimos que a Júnia Furtado e a Heloísa Starling (professoras e historiadoras da UFMG) estavam pensando em fazer o mesmo tipo de estudo. Combinamos de unir forças e as convidamos para fazer um capitulo. É uma obra coletiva.

E qual é a expectativa sobre a repercussão desse trabalho, já que ele já está sendo muito comentado?
Ainda é muito recente. Vamos aguardar... Amanhã (segunda), vou até Ouro Preto com o Bruno Carvalho fazer uma apresentação da obra no Museu da Inconfidência, onde está a cópia do Recueil des loix constitutives des États-Unis de l’Amérique que pertenceu a Tiradentes. Estamos trabalhando há muito anos. E eu estou mais interessado em mostrar essa história da circulação de ideias dos EUA para a França e para o Brasil. E é importante dizer que isso mexeu com um buraco negro na história norte-americana, na história da Europa, e na própria história do Brasil. E aconteceu entre a revolução americana, em 1776, a francesa, em 1789, e a Constituição americana, que foi em 1787.

Por que essa parte dos mineiros se tornou tão intelectual e tão engajada nos movimentos políticos?
Nessa época, os mineiros iam estudar em Coimbra, Portugal. E uma parte teve a formação em Montpellier, na França, onde se encontrava a melhor universidade de medicina na época; era o centro do Humanismo francês, e da modernidade. O próprio Álvares Maciel foi para Birmingham, na Inglaterra, que foi o centro do Iluminismo britânico, e de todas as inovações de manufatura. Tudo isso contribuiu para a formação desses estudantes e seu engajamento. Não havia universidade no Brasil e eles iam estudar na Europa. Os inconfidentes, inclusive, queriam criar uma universidade em Minas. Era uma das propostas da conjuração.

Como começou o seu interesse pelo Brasil?
Eu conheci o Brasil primeiro por meio de filmes. Lembro do Orfeu negro, de Marcel Camus, em 1962. Toda aquela revelação de cores e aquela coisa tropical. Mas o primeiro brasileiro com quem tive contato pessoalmente foi o Sérgio Buarque de Hollanda (sociólogo e historiador). Eu era estudante em Harvard. Meu professor, o norte-americano Stanley Stein, foi um brasilianista que escreveu vários livros sobre São Paulo, Minas, Rio, fez um estudo muito interessante sobre as fazendas de café do século 19. E ele era amigo do Sérgio Buarque. O Sérgio foi visitar a Universidade de Princenton, na década de 1960, e levou com ele o filho, que era o Chico Buarque. Olhe o privilégio (risos).

O senhor começou muito bem então o seu primeiro contato com o Brasil...
Pois é. Eu me lembro do Chico, um rapaz extremamente bonito, tímido, de 17 anos, lá no escritório do Stanley. Esses foram os primeiros brasileiros que encontrei na vida. Sou inglês, mas fiz o doutorado nos Estados Unidos e isso foi já no primeiro ano. Antes, a minha imagem do Brasil era meio fantasiosa, só por meio de filmes, músicas.

Por que tanto interesse pelo Brasil e por Portugal?
Comecei a conviver com o professor Stanley e acabei ganhando uma bolsa para o Brasil, sem nem me programar para isso. Eu estava pensando em escrever um livro sobre a independência no Brasil e a formação do Império brasileiro. Fui para o Brasil por volta de 1967. Depois, retornei para a Europa, no momento em que a ditadura ficou mais dura aqui. Ao mesmo tempo, a revolução portuguesa estava acontecendo e passei a me debruçar sobre o assunto. E só voltei ao Brasil um bom tempo depois, para lançar A devassa da devassa.

Mas como foi o período em que o senhor morou no Brasil?
Morei no Rio e nessa época fui conhecer Ouro Preto, onde acabei passando três meses, por volta de 1966. E acabei trabalhando também em Belo Horizonte, no Arquivo Público Mineiro. Gostei muito da experiência e comecei a estudar mais as questões que me interessavam no país.

Já que o senhor conhece tanto os mineiros, inclusive os do passado, o senhor conseguiu descobrir algo de peculiar no nosso povo?
(Risos). A única coisa que posso dizer é que os mineiros têm um jeito e características próprias. Você pode refletir sobre o que estou dizendo. Estou sendo um pouco mineiro, não é? (risos).

A repórter viajou a convite do fHist