Brasília – O pronunciamento da presidente Dilma Rousseff ontem na abertura da 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas alimentou no Congresso Nacional um cabo de guerra entre a base governista e a oposição. Para os adversários da petista, foi eleitoreiro. Já os aliados disseram que a presidente marcou posição frente às denúncias de espionagem norte-americana.
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A presidente foi defendida pelo líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI). “Destaco o fato de ela ter criticado ali, perante o presidente dos Estados Unidos da América – são raros os líderes que têm coragem de se opor ao presidente do EUA”, ressaltou Dias.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que participou de audiência pública na Câmara sobre as denúncias de espionagem, também saiu em defesa de Dilma. “Ninguém é respeitado quando não se faz respeitar. No passado, houve muita subserviência (na relação com Washington). Hoje, não”, afirmou.
Cardozo admitiu que o Brasil tem fragilidades na área de segurança e precisa “avançar” para se proteger contra ações de espionagem. Em defesa do governo, porém, ele lembrou que outros países também se surpreenderam com as denúncias sobre os norte-americanos, citando Alemanha e México. “Isso é complexo de vira-lata (achar que o sistema de segurança do Brasil é pior que o de outros países). Foi uma surpresa mundial. O sistema do mundo parece debilitado. Temos fragilidades, mas todos os países parece que têm”, comparou Cardozo.
Para “avançar” no tema, Cardozo defendeu a aprovação do marco civil da internet – tema abordado também pela presidente em seu discurso na ONU – e antecipou que o governo prepara uma proposta que trata da proteção de dados pessoais armazenados em cadastros na rede. “A internet não pode se transformar em um instrumento de guerra”, disse.
Durante sua fala inicial, Cardozo pontuou ações adotadas pelo Planalto para responder às denúncias de monitoramento de comunicações brasileiras pelos Estados Unidos. O ministro destacou a formação de grupo técnico interministerial para analisar o caso. Ele lembrou ainda a abertura de inquérito pela Polícia Federal, além de duas visitas aos EUA para tratar do assunto, mas reconheceu que os encontros representaram pouco avanço, o que terminou levando a presidente a suspender a visita de Estados a Washington que ocorreria em outubro.
Ajuda europeia
A CPI da Espionagem do Senado aprovou ontem requerimento em que pedirá apoio da Comunidade Europeia para investigar atividades de espionagem feitas pelos Estados Unidos. A partir de pedido do senador Walter Pinheiro (PT-BA), a intenção é solicitar o envio de informações sobre o acordo firmado entre Estados Unidos e Inglaterra na década de 1990, que supostamente envolveria a construção de uma base de espionagem internacional em território britânico. A comissão aprovou também a convocação de dirigentes de várias companhias telefônicas, como Telefónica, GVT, Oi e TIM, além da Google Brasil, Facebook Brasil e Microsoft, para saber se houve participação das empresas no monitoramento de e-mails e telefonemas pelos EUA no Brasil, além de investigar como as interceptações
foram feitas.
Repercussáo internacional
Repúdio contundente
Com essa expressão, o prestigiado diário da capital americana titula sua reportagem sobre o discurso da presidente brasileira, com direito a chamada de destaque na página inicial de sua edição on-line. O Post reproduz várias passagens da intervenção e ressalta a menção à espionagem dos EUA sobre comunicações privadas no país – inclusive as dela própria e da Petrobras – como “infração das leis internacionais e afronta ao Brasil”, além de “uma violação dos direitos humanos e das liberdades civis”. “As atividades de espionagem americanas representam uma ameaça à democracia no mundo, disse Rousseff, que propôs a regulamentação do ciberespaço pela ONU, para que se assegure a integridade da internet”, afirma o texto.
Fúria brasileira
Também o diário londrino destacou a participação de Dilma na abertura da Assembleia Geral como um “duro ataque” à espionagem americana. O Guardian, considerado de orientação liberal, viu no discurso da presidente brasileira uma indicação de que o incidente provocado pelo rastreamento de comunicações arranhou as relações bilaterais. “O discurso furioso de Rousseff foi um desafio direto a Barack Obama, que estava esperando no corredor para fazer o seu pronunciamento, e representa a consequência diplomática mais séria, até o momento, das revelações feitas pelo ex-consultor da NSA Edward Snowden”, afirma a reportagem.
Atentado à soberania
Na edição on-line do maior jornal espanhol, o discurso da presidente brasileira teve destaque na primeira página da edição local e foi manchete na edição dirigida às Américas. A reportagem observa que Dilma “em nenhum momento referiu-se de maneira expressa aos EUA, mas foi veemente na hora de denunciar a espionagem internacional”. El País lembra que o incidente motivou o adiamento da visita de Estado que a presidente faria a Washington em outubro e foi discutido no encontro informal que ela teve com Barack Obama à margem da cúpula do G20, na Rússia. Quanto à justificativa americana, segundo a qual as operações teriam como fim exclusivo o combate ao terrorismo, o jornal conclui que não foi o bastante para convencer o governo brasileiro.
Guerra cibernética
O ciberespaço não poder ser usado como arma de guerra” foi a passagem da fala de Dilma Rousseff que o principal jornal da Argentina escolheu para o título de sua reportagem – com uma chamada secundária no bloco reservado à abertura da Assembleia Geral. “Já se sabia que a mandatária enviaria uma dura mensagem a respeito da espionagem global norte-americana, da qual ela pessoalmente foi vítima. E assim foi”, diz a reportagem do Clarín.
Resposta à afronta
Para um dos maiores jornais franceses, o termo escolhido por Dilma para definir o rastreamento de comunicações pela inteligência americana acompanha o tom da decisão de cancelar a visita de Estado aos EUA. “A brasileira aproveitou o discurso à Assembleia Geral para denunciar as escutas feitas pela NSA no Brasil como uma violação das leis internacionais e uma ‘afronta’”, diz o texto. Segundo o Monde, Dilma “martelou” a tecla de que a alegação de defesa dos interesses de segurança dos EUA “é insustentável”.