O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki defendeu ontem, em Belo Horizonte, que a competência da mais alta Corte para julgar conflitos entre a União e estados seja restrita às causas que possam abalar os princípios que regem o pacto federativo. Em crítica a uma tendência que disse perceber no STF, de ampliar essa competência, Teori Zavascki considerou a necessidade de mudança do atual modelo de funcionamento, de modo a evitar que o julgamento de uma série de questões de pouca relevância ocupe a pauta.
O ministro exemplificou com um caso recente que está em sua mesa: os ministérios públicos estadual e da União de um estado movem disputa jurídica em torno de um quati que foi preso em uma armadilha instalada ao lado de uma reserva ambiental. “O quati foi pego, mas foi solto. Mas os órgãos do Ministério Público estabeleceram o conflito interno se o crime cometido seria estadual ou federal”, afirmou o ministro. “Queria saber se esse é um conflito federativo apto a abalar o princípio da federação”, questionou Teori Zavascki, que participou ontem na capital mineira do Congresso Internacional de Direito Tributário.
Devido aos casos de pouca relevância que ocupam a pauta, o STF acaba tendo dificuldade em julgar matérias de repercussão geral, que impactam todas as decisões nas instâncias inferiores, disse o ministro. Em balanço desde que o instituto foi implantado, no segundo semestre de 2007, Teori Zavascki informou que, das 158 matérias tributárias que tiveram reconhecida a repercussão geral, só 43 foram julgadas. “O STF tem enorme dificuldade de julgar os casos de repercussão geral”, afirmou, lembrando que eles afetam milhares de processos no sistema judiciário, com reflexo muito alto na vida das pessoas.
Guerra fiscal Ao tratar do papel do STF na análise da questão da guerra fiscal entre estados, um conflito que cabe aos ministros dirimir, Teori Zavascki sustentou: “Se há uma norma constitucional desprestigiada é a que proíbe esse comportamento”. Segundo o ministro, as profundas desigualdades materiais entre estados provocam a guerra fiscal. “Isso torna difícil, na prática, a aplicação da regra constitucional. É uma espécie de legítima defesa, ou uma regra de sobrevivência de alguns estados que são pobres e não conseguem competir em condições de igualdade com os estados industrializados.” Depois de ressalvar que o STF, obviamente, não deve se guiar apenas por esse aspecto, ele afirmou que o tribunal deve, contudo, estar “sensível” a essa questão.
No ano passado o STF publicou a Proposta de Súmula Vinculante 69 para tratar da guerra fiscal. O edital do texto afirma que qualquer tipo de isenção de ICMS concedido pelos estados por meio de lei estadual, sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), é inconstitucional. Se a proposta for aceita, os ministros do STF poderão declarar, monocraticamente, a inconstitucionalidade das leis estaduais que promovem a guerra fiscal. Os governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, cujos estados são os mais pobres, trabalham para que seja adiada a edição desta súmula. Em reunião há 10 dias com os ministros do STF, eles pediram que antes da votação da súmula vinculante seja julgada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 198, que requer seja considerada desnecessária a unanimidade do Confaz para concessão de benefícios fiscais de ICMS, o principal imposto dos estados. Para eles, a atual exigência de consenso do Confaz fere o pacto federativo e impede a “redução das desigualdades regionais”, dada a dificuldade em aprovar as chamadas “isenções” concedidas para atrair investimentos.
Saiba mais
Repercussão Geral
A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. Ela possibilita que o Supremo Tribunal Federal selecione os recursos extraordinários que vai analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. Se constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. O uso desse instrumento resulta em diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Foi adotada desde o segundo semestre de 2007.