Brasília – “O Bolsa-Família é uma coisa muito boa. Esse dinheirinho serve para as despesas da casa, para comprar uma roupinha para a criança, um leite, uma verdura. É pouquinho, mas já remedia, é melhor do que nada”, comenta Helena Rosa Nascimento, de 58 anos. Há 21 anos, ela e o marido, o pedreiro Cândido Ribeiro Antunes, de 69, migraram de Teresina para o Jardim Céu Azul, Bairro de Valparaíso (GO), onde moram com a filha e a neta. O pedreiro diz que nunca viu político falar a verdade, a não ser por uma exceção. “O único que vi falar algo e ajudar o povo foi o Lula. Ele se deu ao menos o trabalho.” O reconhecimento ao ex-presidente é feito pelas urnas. “Voto nele há muito tempo e, se ele for candidato, voto nele de novo.” Com a neta Rianna Paula nos braços, dona Helena brinca com a bebê, falando em um tom infantil: “Eu quero é que a Dilma ganhe, não quero que ela saia”.
Distante 31 quilômetros da família de Helena e Cândido, a cabeleireira Ivone Bastos, de 30, trabalha três vezes por semana no salão de uma prima. Mudou-se há um mês com a família para o condomínio Porto Rico, em Santa Maria, onde mora em uma casa de dois cômodos emprestada por um primo de William Alves, marido de Ivone. Ela diz que não sabe quem paga os R$ 134 que recebe todos os meses, mas responde, em tom de dúvida, sobre quem criou o Bolsa-Família: “O Lula?”. Ivone não ajudou a eleger Dilma Rousseff. “Não gosto dela. Quando ela entrou, fez foi piorar. Votei no César. É César? Serra!”, relata. Quanto às eleições de 2014, ela confessa não saber quem são os candidatos. Na dúvida, diz que o melhor talvez seja votar “nessa Dilma”. “Não faz diferença para mim.”
As histórias de Helena/Cândido e Ivone/William retratam a realidade do Bolsa-Família, principal programa de transferência de renda do governo federal, que beneficia 50 milhões de pessoas e 13 milhões de famílias. No mês em que completa 10 anos da edição da medida provisória que instituiu o benefício, o Estado de Minas ouviu especialistas, políticos e beneficiários para avaliar os ganhos, os erros e o peso político eleitoral. A conclusão é clara: o Bolsa-Família não pode e não será extinto, mas a influência dele nos votos dados ao PT não será tão grande como foi em 2006 e 2010.
A análise baseia-se também em números, especialmente no Nordeste, principal região beneficiada pelo programa federal. Na Paraíba, por exemplo, entre 2006 e 2010, o número de famílias que recebem o Bolsa-Família subiu de 36,2% para 39%, mas a votação no PT caiu de 65,3% para 53,2%. Em Pernambuco, apesar do expressivo aumento de famílias contempladas (de 33% para 50%), o número de votos que Dilma recebeu em 2010 foi de 61,7%, ante os 70% de Lula quatro anos antes.
A mesma realidade tende a se repetir nos estados mais ricos. O Rio de Janeiro, por exemplo, ampliou de 8% para 12% o número de beneficiados pelo programa. Mas o PT, que teve 49,1% dos votos com Lula, recebeu apenas 31,5% com Dilma. Em Minas Gerais, os dois lados da balança diminuíram. Em 2006, 20% das famílias recebiam o Bolsa-Família, enquanto em 2010 eram 17%. Já os votos no PT caíram de 50% para 46,9%, respectivamente.
RESULTADOS Para o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Denílson Bandeira Coelho, não há como negar que a criação do Bolsa-Família mudou geograficamente o voto no PT e assegurou as vitórias de Lula e Dilma no Nordeste, região mais pobre do país. “Mas, hoje, o eleitor analisa outros programas do governo, como o Minha casa, minha vida, o Seguro Defeso (voltado para pescadores carentes) ou o Plano Safra da Agricultura Familiar”, disse Denílson.
Isso não significa que, a longo prazo, o programa poderá ser extinto. “Quase 80% dos municípios brasileiros têm menos de 10 mil habitantes e são extremamente pobres. O dinheiro federal, incluindo o Bolsa-Família, a aposentadoria urbana e a rural, é fundamental para movimentar a economia local, estimular o associativismo e o empreeendedorismo”, citou.
O secretário-geral do PT, deputado Paulo Teixeira (SP), afirma que atualmente o eleitor está em busca de outros direitos. “A população hoje quer educação, saúde, segurança e transporte urbano com mais qualidade”, enumerou. Já o presidente nacional do DEM, senador José Agripino Maia (RN), reconhece que o Bolsa-Família cumpriu seu papel, mas acabou estagnado apenas na questão da renda. “Ele tem um ponto de partida e um ponto de chegada, mas não tem pontos de saída. As próximas eleições cobrarão mais dos candidatos”, acredita Agripino.
Vice-presidente do PSB e um dos articuladores da pré-campanha do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ao Planalto em 2014, Roberto Amaral avalia que a influência do Bolsa-Família no voto do eleitorado é algo que ainda não pode ser desconsiderado. “Temos muitos municípios cuja economia apoia-se apenas no programa. Pode ser que no passado a influência fosse maior. Mas desprezar esse componente político na hora da eleição é um erro”, analisou Amaral.