Renata Mariz e Étore Medeiros
Brasília – Ao unificar e aperfeiçoar diferentes programas sociais, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva abusava da metáfora do peixe para se defender dos que acusavam o então recém-lançado Bolsa-Família de projeto meramente assistencialista. Passados 10 anos da iniciativa, 1,7 milhão de famílias conseguiram “aprender a pescar”. Deixaram de receber o repasse mensal, cujo valor médio é de R$ 152,35, porque conseguiram aumentar a própria renda, extrapolando o limite de R$ 70 per capita. A turma que deu adeus à ajuda federal equivale a 12% das 13,8 milhões de famílias atendidas atualmente. Sem contar as 6 milhões que saíram do programa por outros motivos, como deixar de cumprir as condicionantes e fraudes.
Não há resposta exata sobre o que o número significa. Para o professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Feldmann, fica claro que o governo não conseguiu ensinar a pescar. “Mas dar o peixe, apenas, também era importante, pois havia gente passando fome no país”, assinala. Ele considera que, passados 10 anos de Bolsa-Família, seria necessário investir mais na qualidade da escola. “Talvez criando uma prova nacional para avaliar o desempenho das crianças. Só exigir frequência ajuda, mas não muda a realidade”, afirma Feldmann.
Estatísticas oficiais apontaram alguns impactos iniciais na educação. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), estudantes beneficiários têm aprovação de 79,9% no ensino médio – pouco maior do que a média nacional (de 75,2%). A taxa de abandono também é levemente menor, 7,2%, contra 10,8%. Na saúde, a queda da mortalidade de 19,4% entre crianças de até 5 anos é considerada fruto do Bolsa-Família.
“Os dados mostram que a condicionalidade funcionou. Mas não dá para ficar satisfeito. Relacionar o programa com a performance do aluno na escola ou exigir a todos do país a frequência de 85%, já que vimos que dá bons resultados, são algumas entre as muitas medidas que podem ser consideradas daqui pra frente”, diz Rafael Osório, diretor de estudos e políticas sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
PRÊMIO NA ESCOLA Moradores de Valparaíso (GO), Carlos Espíndola e Regiane Dias de Albuquerque, que recebem R$ 95 mensais do Bolsa-Família, contam que já mantinham o cartão de vacinação das crianças sempre atualizado e acompanhavam de perto o desempenho escolar dos três filhos – um garoto e duas meninas. Elas foram inclusive premiadas no colégio pelo comportamento e desempenho exemplares.
“O Bolsa-Família serviu de mais uma ajuda para o orçamento, em benefício das crianças. Compramos coisas para a escola e também cuidamos da alimentação. Elas adoram leite, e o biscoito também não pode faltar”, conta o mecânico, que ensina as crianças a regrar o consumo dos lanches para não faltar no fim do mês.
De vez em quando, conta Carlos, sobra até um dinheirinho para comprar iogurte ou verduras. “Quando pego o dinheiro, vou direto para o mercado, é tudo para elas”, conta satisfeita Regiane. Trabalhando como autônomos em uma pequena oficina mecânica, os pais conseguem atingir uma renda média de R$ 800.
Acometido de psoríase e com arritmia cardíaca, Carlos gasta pelo menos R$ 119 mensais em remédios. Com isso, os recursos repassados pelo governo federal acabam sendo indispensáveis para o orçamento da família. “Posso até não ter uma boa alimentação para mim, mas para os meus filhos eu tenho que dar. Criança perde material escolar, quebra, o coleguinha pega…”, explica o mecânico.