Brasília, Ribeirão das Neves (MG) e Claro dos Poções (MG) – Nos 10 municípios mais dependentes do Bolsa-Família, onde o índice de beneficiados supera 80% da população, está provado o aumento no nível de bem-estar social. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que sintetiza dados de saúde, educação e renda, foi puxado nessas cidades principalmente pela frequência das crianças na escola. Mas são localidades ainda com indicadores semelhantes aos de países africanos. Fazem parte de um Brasil que desafia as políticas públicas, sobretudo o maior programa de combate à pobreza do país, que completa 10 anos neste mês atendendo uma em cada quatro pessoas no território nacional. Como avançar rumo a melhores resultados é o que políticos terão de propor nas eleições do ano que vem.
“Já passei muito aperto”, afirma Cristiane. O filho dela, Luciano, recorda quando a vida era mais difícil antes de a mãe receber o Bolsa-Família. “Já precisei de beber água com fubá para matar a fome”, lembra o garoto, que quer ser policial civil. No início do ano, a casa em que a família morava pegou fogo. “Estava num enterro de um parente e quando voltei tinha perdido tudo”, lamenta Cristiane. Para conseguir o novo local para morar contou com a ajuda da avó paterna da filha, Pâmela. Apesar das tentativas do governo de atrelar ao Bolsa-Família políticas de moradia e capacitação, o fosso entre o que é ofertado e as necessidades do público do programa de transferência de renda continua enorme.
De acordo com a gerente de cadastramento do Bolsa-Família em Ribeirão das Neves, Denisiene Aparecida Zeferino, a cidade tem 41 mil famílias cadastradas no programa e atualmente 16,9 mil beneficiados. Denisiene explica que o ideal é que as famílias não fiquem muitos anos no programa e consigam entrar no mercado de trabalho e assim ultrapassar o limite de renda. “Mas, infelizmente, tem muitos que estão desde o início”, analisa.
É o caso da ajudante de cozinha Edilaine Oliveira Rocha, de 35 anos. Ela cria três filhas sozinha, sem ajuda do pai, e recebe R$ 170 do benefício do governo federal todos os meses. “Compro coisas para as meninas. Sapato, roupa e caderno”, cita a moradora do Bairro Menezes, em Ribeirão das Neves.
ERRADICAÇÃO Para o economista e sociólogo Marcelo Medeiros, pesquisador de temas relacionados à pobreza e desigualdade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os valores pagos pelo Bolsa-Família, média de R$ 152,35 por benefício, deveriam ser reajustados em pelo menos 50%, podendo chegar a 200%. “Hoje, é um programa de alívio da pobreza. Se quisermos que seja de erradicação, os repasses têm de ser ampliados”, defende. Ele argumenta que não haveria impacto para os cofres públicos, já que o programa consome cerca de 1% do orçamento federal (R$ 24,9 bilhões este ano). Pela linha de pobreza extrema adotada pelo Brasil, R$ 70 per capita, foram retiradas dessa condição 36 milhões, embora ainda haja 600 mil famílias sem dinheiro para comer.
Secretário Nacional de Renda de Cidadania, Luís Henrique Paiva não descarta reajustes nos benefícios, mas ressalta que serão “pequenas variações”. “O foco atual é aperfeiçoar as rotinas operacionais e fazer modificações do ponto de vista legal, além de identificar as famílias em pobreza extrema”, afirma. Mestra em sociologia pela Universidade de Campinas (Unicamp), Luciana Ramirez, autora de pesquisa sobre o impacto do Bolsa-Família em Santo Antônio do Pinhal, interior paulista, considera importante que o governo reforce iniciativas como cursos de qualificação profissional e escola integral a beneficiários, entre outros, para criar as portas de saída do programa. “Estamos caminhando para um futuro sem tantos pobres no Brasil”, diz.
REFORÇO MENSAL Em Claro dos Poções, a 499 quilômetros de Belo Horizonte, no Norte de Minas, uma das regiões mais carentes do Sudeste brasileiro, Joana Lima de Jesus faz parte dos quase 48% de moradores que recebem Bolsa-Família. Antes, só tinha uma alternativa para dar de comer aos três filhos: o serviço numa carvoaria. Acordava de madrugada para carregar lenha, encher e esvaziar os fornos. Só deixou o trabalho porque não podia levar as crianças, sob o risco de a empresa ser multada. A mulher de 27 anos, que estudou até a primeira série do ensino fundamental, sabe que não terá outra alternativa caso o Bolsa-Família acabe. “Vou ter que voltar para a carvoaria de novo. Lá, a gente não chega a ganhar nem um salário”, diz Joana, que recebe R$ 352 por mês do programa.
Suzana Márcia de Oliveira Rodrigues, outra beneficiária de Claro dos Poções, complementa o benefício de R$ 102 do Bolsa-Família com o trabalho de doméstica. “Se não fosse esse benefício, eu nem sei como a gente ia viver”, diz a mulher de 28 anos, que tem um filho pequeno. O companheiro dela, Luiz Fernando Rodrigues, faz bicos, ganhando R$ 300 por dia como lavrador ou servente de pedreiro, para reforçar o orçamento. Mas nem sempre acha serviço.
Claro dos Poções tem 1.115 cadastrados no Bolsa-Família. Considerando uma média de quatro pessoas por família, significa que dependem do auxílio governamental 4.460 moradores do lugar, que sofre com a seca e com a falta de outras opções de renda – exceto as aposentadorias rurais e os salários da prefeitura. Na cidade mineira, Rosali de Jesus Mendes, de 41, e mãe de cinco filhos, também não quer nem imaginar em perder o benefício. A família dela recebe a ajuda mensal há oito anos. Atualmente, o valor é de R$ 492, englobando os pagamentos do programa Brasil Carinhoso, criado na atual gestão petista para beneficiar filhos com menos de 6 anos.